Violeta
comprava flores de todos os tipos e cores e distribuía por toda a casa. Não
havia datas ou comemorações, todo dia era dia e sempre era motivo para novos ramalhetes
e mudas. No fim das tardes, quando regressava do trabalho ou aos sábados com as
compras da feira. Poucas compras, muitas flores.
Vestia-se com
simplicidade e aparentava quarenta e poucos anos; cabelos e olhos pretos, corpo
esguio, olhar distante. Cumprimentava a todos com íntegra economia, não dava
margem a conversas e, com isso, despertava curiosidade e até algum comentário
envolvendo sua conduta. Diziam ser amante de alguém importante ou vítima de
alguma desilusão amorosa. O estranho é que ninguém lembrava quando se mudara ou
quem a antecedera naquela casa. Com exceção da feira, não se valia de nenhum
serviço do bairro e nem caderno tinha no armazém da esquina.
O pequeno jardim,
repleto de gerânios, roseiras e espadas-de-são-jorge, emoldurava o caminho que
conduzia do portão até a porta e, mesmo até, que comentassem sobre Violeta,
todos reconheciam e admiravam seu capricho. O jardim era mágico e ao mesmo
tempo real, pois perfumava e maravilhava a quem por ali cruzasse. E houve,
nesse tempo, quem afirmasse que seres pequenos e encantados aplicavam-se solícitos
na poda e no cultivo de suas viçosas roseiras. Sumiam-se à chegada do sol.
Cantava para
açucena, contava histórias para as begônias, ria com as sempre-vivas, chorava
com as samambaias. Mantinha seu mundo livre de qualquer perigo. Parecia ter
consciência absoluta dos objetivos que a trouxeram a vida. Destino que cumpriu à
risca e com méritos. Não ia à missa, cultuava as flores e, sem nenhuma dúvida,
era este seu religare.
Violeta deixou o mundo prematuramente.
Chovia muito e seu pequeno corpo foi conduzido por dois homens até um carro
muito branco. Com ela, foram-se os segredos que envolviam sua existência entre
nós e, certamente, ficariam muitas perguntas. Questões que hoje – sinceramente
– não tem importância alguma. Prefiro a lembrança de seu amor pelas flores ou
ainda a beleza sincera de seu jardim. Imagino a música de seu silêncio e,
confesso uma ponta de inveja por sua habilidade e resignação. Nunca vi alguém
tão perseverante.
Violeta morreu num começo de inverno.
Foi-se num carro branco que sumiu em meio ao escarcéu.
Marco Araujo
4 Comentários
Marco, belíssimo texto...envolvente!E assim muitas pessoas se vão, envoltas em seu mundo, mistérios e deixando um rastro de admiração.Abraços!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu compro cigarros e volto. Às vezes me permito parar e observar jardins alheios. Violeta aduba mundos paralelos, eu já fiz isso um dia.Belo texto, parabéns.
ResponderExcluirCaraca, que rico texto! Marcos estás maduro para romance até se quiser, amei!
ResponderExcluirPOEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!