Rubermária Sperandio - 10 pra quem é 10 - Entrevista conduzida por Marcelo Mourão

 10 pra quem é 10


Para essa quarta entrevista, que produzi para o Portal Poemas à Flor da Pele, convidei a poeta, contista, professora e mestra em Mídia, Política e Cultura pela UFMT Rubermária Sperandio!



Vamos conhecer um pouco mais sobre esta grande artista brasileira?


1 – Quando você percebeu que queria trabalhar com arte? Conte para nós como foram os primórdios da sua vida de artista.

Resposta:

Trabalhar com arte, especificamente, com literatura, é bem recente. Começou há, mais ou menos, três anos. Eu estava terminando o curso de Preparação de Originais quando, conversando com um amigo escritor, me ofereci para fazer o trabalho em um livro que ele estava escrevendo. Ele topou. Depois que eu fiz, ele disse que gostou muito. E eu gostei muito de fazer. Percebi que queria trabalhar com isso, porque eu estava fazendo o curso para entender o outro lado da produção de um livro, não pensando em trabalhar na área. Então, na época, fiz uns cartões divulgando meu trabalho, mas o que funcionou mesmo foi o boca a boca. E hoje tenho tido muitos trabalhos. Mas, antes de fazer o curso de preparação de originais, eu já vinha fazendo muitos cursos de literatura aqui no Rio.

Acredito que a vida de um autor não começa quando ele publica. Eu sempre fui muito inquieta, curiosa. Minha avó era costureira. Com oito anos, fiz uma saia para mim na máquina dela. Eu queria aprender muitas coisas. Aprendi a bordar, pintar tecidos, fazer crochê, biscuit e outras formas de artesanato. Morávamos numa fazenda no interior de Mato Grosso, fiz cursos até pelo correio. Fui criada cercada por contadores de histórias, entre eles minha mãe e meu avô. E tinha toda uma literatura bíblica, que cresci lendo, adorava ler “Cantares de Salomão”. Quando fui fazer faculdade, em Cuiabá, escrevi artigos para jornais, fiz curso de óleo sobre tela e pintei bastante. 

 

2 – Você nasceu em Minas Gerais, foi criada no Mato Grosso e, hoje, vive no Rio de Janeiro. O quê destes lugares ainda há dentro de você? E quais elementos deles aparecem em seus trabalhos artísticos?

Resposta:

Saí de Minas Gerais com apenas dois anos, mas fui criada em Jauru, interior de Mato Grosso, um lugar de mineiros. Embora minhas raízes fossem plantadas em outro solo, continuei sendo regada por fontes mineiras, “não degenerei”. Mas o que mais me marcou foi dessa cultura foi o gosto pela política. Meu pai sempre participou ativamente da politica local, com ou sem mandato político. Cresci muito envolvida nesse meio. Depois, fui fazer faculdade em Cuiabá em 1993. Lá também me envolvi fortemente na vida política. E foi lá que tive mais acesso à cultura mato-grossense, que era uma mistura de muitos estados brasileiros, principalmente, devido à política de ocupação da Amazônia na década de 1970. Mas, antes da fundação da Universidade Federal de Mato Grosso, em 1970, a elite cuiabana tinha muito acesso ao eixo Rio - São Paulo, onde ia fazer faculdade, principalmente, no Rio de Janeiro (Manoel de Barros é um deles). A família do carioca Wladimir Dias-Pino foi para Cuiabá, fugindo de perseguições políticas, quando ele era ainda menino. Lá ele deu início a sua carreira de artista. Fundou, em 1948, o movimento literário de vanguarda Intensivismo, que antecipou as tendências mais radicais da poesia e das artes plásticas do ano 1950 e 1960. 

Com a facilitação das vias de acesso e dos meios de comunicação e com a criação da Universidade, a interação com outros estados e países se estendeu. Um dos grandes artistas plásticos de Mato Grosso, Adir Sodré, teve sua obra exposta em grandes museus dentro e fora do País. Mas existe, também, como em outros estados, uma cultura típica, muito rica, do caboclo mato-grossense. Muito difundida pelos humoristas Nico e Lau, foi por meio deles que entrei em contato com um linguajar muito particular.

Agora, morando no Rio, muitas coisas novas me foram acrescentadas, nas coisas que faço. Tenho contos que se passam aqui, com personagens cariocas. Enfim, sou um caldo disso tudo, e isso se reflete no meu modo de ser, nos meus interesses e na minha literatura. Contudo, as influências políticas e religiosas são mais evidentes.

 

3 - Poderia citar 10 nomes que influenciaram/influenciam você como artista?

 

Resposta:

Esopo, Maria Clara Machado, Lenine, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Balzac, Clarice Lispector, Brecht, Kafka e Sartre.

 

4 – De que forma ser graduada em Comunicação Social, com mestrado em Mídia, Política e Cultura, ajudou seu desenvolvimento como artista?

Resposta:

Vem daí toda minha base mais refletida. Antes de cursar Comunicação, fiz metade do curso de Letras (com habilitação em Literatura). Ali fui tendo acesso às escolas e a todo um fazer literário. Na época, escrevi uns poemas e mostrei a uma amiga muito sincera. Ela disse que eram ruins, e não fiz mais. Depois, mudei de curso, fui fazer Comunicação Social e estudei publicidade, rádio, televisão e cinema. O cinema e a publicidade me marcaram muito. O professor de publicidade, Aclyse Mattos, que já era poeta, nessa época, me deu um livro dele, Assalto a Mão Amada, que tocou num sonho adormecido. Mas a minha vida estava indo em outra direção.

No mestrado, aprofundei meus estudos sobre comunicação e estudos culturais. Duas matérias me marcaram muito: Mídia e Ideologia, ministrada pelo meu ex-professor de Teoria da Literatura do curso de Letras, Roberto Boaventura; e Literatura Brasileira, ministrada pela professora Francely A. S. Mello. Por causa desses dois professores e da minha orientadora, Sirlei Aparecida da Silveira, o mestrado foi um momento de muitas mudanças na minha vida. Estudei a escola de Frankfurt, o Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), Marx, Raymond Willis, Alfredo Bosi, Richard Hoggart, Focault. Bateu de novo a vontade de fazer literatura, sobretudo assistindo às aulas de literatura da professora Francely. Mas a vida adiou ainda um pouco mais meus planos, até eu vir para o Rio, onde pude me dedicar mais ao estudo da literatura.

 

5 – O teu primeiro livro de poemas, “Matrioskas”, lançado em 2019, recebeu inúmeras críticas muito positivas. Você o define como “um livro de poemas feministas”. É só isso ou vai muito além disso? Nos fale um pouco sobre essa obra e a recepção dada a ela.

Resposta:

 

Sim, é um livro de poemas feministas, o meu feminismo. Parafraseando Judith Butler, em relação à sexualidade, deve haver tantos feminismos quantas mulheres existam. Pretendi contar a dor de uma mulher, que começa colorida, cheia de vida, e vai se decepcionando com as relações amorosas: é estuprada, apanha, faz um aborto. Mas ela tem também momentos de alegria: a chegada de uma filha, de um novo amor, a “revelação” da vida. E, no final, ela volta a ter esperança e acredita que encontrou a solução. Mas todo feminismo tem uma coisa em comum: o rebaixamento da mulher em relação aos homens em algum nível. Esse rebaixamento tem a ver, na minha e na opinião de muitas feministas, como Angela Davis, Chimamanda e Marcia Tiburi, com uma sociedade hierarquizada, divida em classes. Mas, nessa sociedade, os homens também apanham e se prostituem. Meu poema “Jogatina” tenta expor isso. Enfim, propondo o desmonte do patriarcado para mulheres e o desmonte da sua base para todos. Para isso, é preciso haver uma mudança não só na superestrutura, mas também na estrutura que a engendra. Mas para isso é preciso muita educação e muito conhecimento do ser humano, a base de tudo que existe no mundo, se quisermos viver com um pouco mais de paz. Quando todos os homens se conhecerem melhor, conhecerão melhor o mundo com tudo que nele há

6 – Você tem vários contos publicados em revistas literárias e antologias. Pretende lançar algum livro só de contos? Em quais outros gêneros literários você expressa suas inquietações artísticas?

 

Resposta:

Sim, eu tenho um livro de contos para publicar quando a vida voltar ao normal. No momento, estou aproveitando o tempo de reclusão para estudar e trabalhar, tenho feito muito essas duas coisas. Eu também escrevo crônicas e contos infantis.

 

7 – Cite 5 momentos áureos da sua trajetória artística e 5 da sua vida pessoal.

 

Resposta:

 

Na minha trajetória artística:

 

- Exposição de minhas telas numa exposição de arte, em Cuiabá;

- A primeira vez que peguei meu livro Matrioskas;

- Quando terminei de escrever um conto que gosto muito;

- meu prêmio “Poeta revelação de 2019”, no sarau POLEM.

- Quando um ex-professor meu de Literatura, que admiro muito, fechou o ano de 2019 com uma bela exposição de Matrioskas, na sua coluna.

 

Na minha vida pessoal:

- Nascimento da minha filha Rebeca;

- minha viagem para a Grécia;

- Entrada na faculdade;

- Entrada no mestrado;

- Minha primeira viagem ao Rio de Janeiro.

 

8 – Arte de alto nível, em sua opinião, é resultado do dom do artista, da inspiração ou de muita transpiração?

 

Resposta:

Eu não acredito que a gente nasce com um dom, uma aptidão inata para fazer alguma coisa. Mas, com isso, não pretendo dizer que o homem, quando nasce, é uma tábula rasa. E, obviamente, uma natureza, desta ou daquela maneira, pode favorecer para uma ou outra atividade. Mas, por outro lado, existe a vida, as influências, as experiências. Há ainda as circunstâncias e as nossas necessidades. E quando a necessidade de fazer arte surge, para desenvolvê-la, é preciso muita transpiração. Umberto Eco disse que são 10% de inspiração e 90% de transpiração. Mas, na minha opinião, mesmo os 10% de inspiração é uma ideia que não nos cai fora de nossas vivências como seres humanos. Muita gente considera o poeta como um ser extraordinário, um profeta que fala com Deus. Se ele fala com Deus, é porque o Verbo, de algum modo, entrou nele. Como falar com Ele, sem entender a Sua língua? Se não fosse assim, Jesus não mandaria pregar seu evangelho na terra. 

 

9 – Quais são seus próximos projetos artísticos? Poderia nos adiantar alguns deles?

 

Resposta:

Como já falei lá atrás, pretendo lançar um livro de contos. E já tenho também material suficiente para publicar outro livro de poemas. Quando as coisas voltarem ao normal, vamos ver o que virá primeiro. Isso depende de muitas outras coisas alheias ao meu desejo.  

 

10 – Você fez vários cursos na área de literatura e trabalha hoje com preparação de originais e análise crítica de literatura. Essas duas atividades acrescentam/acrescentaram bastante riquezas aos teus trabalhos artísticos? Fale um pouco sobre isso.

 

Resposta:

Com certeza, me acrescentaram e me acrescentam muito. Os cursos que fiz me jogaram na prática da escrita e me levaram a fazer muitas leituras relacionadas ao universo da literatura. Investi muito nisso e continuo investindo. Para fazer esses trabalhos de preparação de originais e análise crítica, eu tenho que fazer pesquisas, tirar dúvidas que, às vezes, surgem durante o trabalho. Isso me acrescenta muito. E também tem o aprendizado como o estilo dos escritores e com os diálogos que mantemos durante o processo. Agora mesmo, por exemplo, estou trabalhando num livro interessante, o autor é doutor em literatura, estou aprendendo muito com a história que ele criou. 

 

Dois poemas de Rubermária Sperandio, para uma pequena degustação de todos vocês:

 

Matrioska

 

Pra não romper nas nervuras,

facilitar o entalhe,

secar sem se entortar,

é preciso escolher a madeira certa.

 

Depois, faz-se um buraco nela.

"Vai doer!"

Ainda dói

o miolo estripado.

 

No seu oco,

coloca-se a outra

feita a sua semelhança;

cópia da cópia.

Para animar mais o artesão,

cores alegres e divertidas.

Verniz contra o gelo,

pra ela não desmaiar. 

 

Assim são espalhadas pelo mundo,

em diferentes cores e fantasias.

Mães e filhas, bonecas

fazendo a festa do artífice.

 

E lá dentro da Matrioska,

mulheres diminuídas.

Mas tudo tem um fim.

A última será a inteira.

 

Amor (te)

 

Ainda ouço aquela voz

“eles vão te machucar”

“eles vão te machucar”

“eles vão te machucar”

podia ser só amor

herdei o medo

espingarda na mira

esperava a morte

eles vão me machucar

dia e noite sem cessar

nessa vigília

cercada pela matilha

não dormia mais

              já estava machucada

puxei o gatilho

acertei

ouvi o último ladro

do bicho acuado

 ­– eu –

morta pelos seus cães. 

 

 

Onde podemos encontrar Rubermária?

 

Facebook: https://www.facebook.com/rubermaria.sperandio

 

Instagram: @rubermariasperandio

 

E-mail: rubermaria2014@gmail.com

 

Sites: Não tem

 

O livro de poemas Matriokas se encontra à venda em várias livrarias e sites de venda do Brasil:

 

Amazon: https://www.amazon.com.br/Matrioskas-Ruberm%C3%A1ria-Sperandio/dp/8555270944

 

Amazon (Kindle): 

https://www.amazon.in/Matrioskas-Poemas-Portuguese-Ruberm%C3%A1ria-Sperandio-ebook/dp/B08FF1KN7R

 

Editora Besourobox:

https://besourobox.com.br/index.php?route=product/product&product_id=718&gclid=CjwKCAiAsOmABhAwEiwAEBR0ZqOzC97aHu3KEtdFHAD7c-myMp-NoZ890Xmgu3gn1PlNHK66w7BsEBoCiTUQAvD_BwE

 

Americanas:

https://www.americanas.com.br/produto/2528878823?pfm_carac=matrioskas&pfm_index=4&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

 

Submarino:

https://www.submarino.com.br/produto/1440035864/livro-matrioskas?WT.srch=1&acc=d47a04c6f99456bc289220d5d0ff208d&epar=bp_pl_00_go_g35177&gclid=CjwKCAiAsOmABhAwEiwAEBR0Zon58MUN3-4SmnaxJttMFiwjbXsHDtZzCPp193nt_u8ZuWn3sXON2BoCMysQAvD_BwE&i=59f569c9eec3dfb1f8cf3e51&o=5e1429baf8e95eac3dd833f0&opn=XMLGOOGLE&sellerid=42154922000101#&gid=1&pid=1

 

Livraria Leonardo Da Vince:

https://www.leonardodavinci.com.br/livros/sp3525/9788555270949/matrioskas.html

 

Shoptime:

https://www.shoptime.com.br/produto/1440035864/livro-matrioskas?WT.srch=1&acc=a76c8289649a0bef0524c56c85e71570&epar=bp_pl_00_go_pla_geral_3p&gclid=CjwKCAiAsOmABhAwEiwAEBR0Zt-q3PzbbZA51mNMlsmhrnhMRPe1oV-1kuA-8elBnf3vRDncUFYjHhoCUHIQAvD_BwE&i=59f55c6deec3dfb1f8cd91c7&o=5e1428d0f8e95eac3dd83196&opn=GOOGLEXML&sellerid=42154922000101#&gid=1&pid=1

 

Martins Fontes:

https://www.martinsfontespaulista.com.br/matrioskas-897781/p

 

Magazine Luiza:

https://www.google.com/amp/s/m.magazineluiza.com.br/amp/livro-matrioskas/p/bfj4cj6601/li/llit/?espv=1

 

Minibiografia

 

Rubermária Sperandio

Mineira, criada em Mato Grosso, vive hoje no Rio de Janeiro. Formada em Comunicação Social, com mestrado em Mídia, Política e Cultura pela UFMT. Foi professora, trabalhou como assessora parlamentar e de comunicação em Mato Grosso.

Fez vários cursos na área de literatura. Trabalha hoje com preparação de originais e análise crítica de literatura. Tem vários contos e poemas publicados em revistas literárias e antologias. Lançou em 2019, o livro de poemas feminista, “Matrioskas”.






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