10 pra quem é 10
1
– Quando você percebeu que queria trabalhar com arte? Conte para nós como foram
os primórdios da sua vida de artista.
Resposta:
Trabalhar com arte, especificamente, com
literatura, é bem recente. Começou há, mais ou menos, três anos. Eu estava
terminando o curso de Preparação de Originais quando, conversando com um amigo
escritor, me ofereci para fazer o trabalho em um livro que ele estava
escrevendo. Ele topou. Depois que eu fiz, ele disse que gostou muito. E eu
gostei muito de fazer. Percebi que queria trabalhar com isso, porque eu estava
fazendo o curso para entender o outro lado da produção de um livro, não
pensando em trabalhar na área. Então, na época, fiz uns cartões divulgando meu
trabalho, mas o que funcionou mesmo foi o boca a boca. E hoje tenho tido muitos
trabalhos. Mas, antes de fazer o curso de preparação de originais, eu já vinha
fazendo muitos cursos de literatura aqui no Rio.
Acredito que a vida de um autor não começa
quando ele publica. Eu sempre fui muito inquieta, curiosa. Minha avó era
costureira. Com oito anos, fiz uma saia para mim na máquina dela. Eu queria
aprender muitas coisas. Aprendi a bordar, pintar tecidos, fazer crochê, biscuit e outras formas de artesanato.
Morávamos numa fazenda no interior de Mato Grosso, fiz cursos até pelo correio.
Fui criada cercada por contadores de histórias, entre eles minha mãe e meu avô.
E tinha toda uma literatura bíblica, que cresci lendo, adorava ler “Cantares de
Salomão”. Quando fui fazer faculdade, em Cuiabá, escrevi artigos para jornais,
fiz curso de óleo sobre tela e pintei bastante.
2
– Você nasceu em Minas Gerais, foi criada no Mato Grosso e, hoje, vive no Rio
de Janeiro. O quê destes lugares ainda há dentro de você? E quais elementos
deles aparecem em seus trabalhos artísticos?
Resposta:
Saí de Minas Gerais com apenas dois anos, mas fui criada em Jauru, interior de Mato Grosso, um lugar de mineiros. Embora minhas raízes fossem plantadas em outro solo, continuei sendo regada por fontes mineiras, “não degenerei”. Mas o que mais me marcou foi dessa cultura foi o gosto pela política. Meu pai sempre participou ativamente da politica local, com ou sem mandato político. Cresci muito envolvida nesse meio. Depois, fui fazer faculdade em Cuiabá em 1993. Lá também me envolvi fortemente na vida política. E foi lá que tive mais acesso à cultura mato-grossense, que era uma mistura de muitos estados brasileiros, principalmente, devido à política de ocupação da Amazônia na década de 1970. Mas, antes da fundação da Universidade Federal de Mato Grosso, em 1970, a elite cuiabana tinha muito acesso ao eixo Rio - São Paulo, onde ia fazer faculdade, principalmente, no Rio de Janeiro (Manoel de Barros é um deles). A família do carioca Wladimir Dias-Pino foi para Cuiabá, fugindo de perseguições políticas, quando ele era ainda menino. Lá ele deu início a sua carreira de artista. Fundou, em 1948, o movimento literário de vanguarda Intensivismo, que antecipou as tendências mais radicais da poesia e das artes plásticas do ano 1950 e 1960.
Com a facilitação das vias de acesso e dos meios de comunicação e com a criação da Universidade, a interação com outros estados e países se estendeu. Um dos grandes artistas plásticos de Mato Grosso, Adir Sodré, teve sua obra exposta em grandes museus dentro e fora do País. Mas existe, também, como em outros estados, uma cultura típica, muito rica, do caboclo mato-grossense. Muito difundida pelos humoristas Nico e Lau, foi por meio deles que entrei em contato com um linguajar muito particular.
Agora, morando no Rio, muitas coisas novas me foram acrescentadas, nas coisas que faço. Tenho contos que se passam aqui, com personagens cariocas. Enfim, sou um caldo disso tudo, e isso se reflete no meu modo de ser, nos meus interesses e na minha literatura. Contudo, as influências políticas e religiosas são mais evidentes.
3 - Poderia citar
10 nomes que influenciaram/influenciam você como artista?
Resposta:
Esopo,
Maria Clara Machado, Lenine, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Balzac,
Clarice Lispector, Brecht, Kafka e Sartre.
4
– De que forma ser graduada em Comunicação Social, com mestrado em Mídia,
Política e Cultura, ajudou seu desenvolvimento como artista?
Resposta:
Vem
daí toda minha base mais refletida. Antes de cursar Comunicação, fiz metade do
curso de Letras (com habilitação em Literatura). Ali fui tendo acesso às
escolas e a todo um fazer literário. Na época, escrevi uns poemas e mostrei a
uma amiga muito sincera. Ela disse que eram ruins, e não fiz mais. Depois,
mudei de curso, fui fazer Comunicação Social e estudei publicidade, rádio, televisão e cinema.
O cinema e a publicidade me marcaram muito. O professor de publicidade, Aclyse Mattos,
que já era poeta, nessa época, me deu um livro dele, Assalto a Mão Amada, que tocou num sonho adormecido. Mas a minha
vida estava indo em outra direção.
No
mestrado, aprofundei meus estudos sobre comunicação e estudos culturais. Duas
matérias me marcaram muito: Mídia e Ideologia, ministrada pelo meu ex-professor
de Teoria da Literatura do curso de Letras, Roberto Boaventura; e Literatura
Brasileira, ministrada pela professora Francely A. S. Mello. Por causa desses
dois professores e da minha orientadora, Sirlei Aparecida da Silveira, o
mestrado foi um momento de muitas mudanças na minha vida. Estudei a escola de
Frankfurt, o Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), Marx, Raymond
Willis, Alfredo Bosi, Richard Hoggart, Focault. Bateu de novo a vontade de
fazer literatura, sobretudo assistindo às aulas de literatura da professora
Francely. Mas a vida adiou ainda um pouco mais meus planos, até eu vir para o
Rio, onde pude me dedicar mais ao estudo da literatura.
5
– O teu primeiro livro de poemas, “Matrioskas”, lançado em 2019, recebeu
inúmeras críticas muito positivas. Você o define como “um livro de poemas
feministas”. É só isso ou vai muito além disso? Nos fale um pouco sobre essa
obra e a recepção dada a ela.
Resposta:
Sim,
é um livro de poemas feministas, o meu feminismo. Parafraseando Judith Butler,
em relação à sexualidade, deve haver tantos feminismos quantas mulheres existam.
Pretendi contar a dor de uma mulher, que começa colorida, cheia de vida, e vai
se decepcionando com as relações amorosas: é estuprada, apanha, faz um aborto.
Mas ela tem também momentos de alegria: a chegada de uma filha, de um novo
amor, a “revelação” da vida. E, no final, ela volta a ter esperança e acredita
que encontrou a solução. Mas todo feminismo tem uma coisa em comum: o
rebaixamento da mulher em relação aos homens em algum nível. Esse rebaixamento
tem a ver, na minha e na opinião de muitas feministas, como Angela Davis,
Chimamanda e Marcia Tiburi, com uma sociedade hierarquizada, divida em classes.
Mas, nessa sociedade, os homens também apanham e se prostituem. Meu poema
“Jogatina” tenta expor isso. Enfim, propondo o desmonte do patriarcado para
mulheres e o desmonte da sua base para todos. Para isso, é preciso haver uma
mudança não só na superestrutura, mas também na estrutura que a engendra. Mas
para isso é preciso muita educação e muito conhecimento do ser humano, a base
de tudo que existe no mundo, se quisermos viver com um pouco mais de paz.
Quando todos os homens se conhecerem melhor, conhecerão melhor o mundo com tudo
que nele há
6
– Você tem vários contos publicados em revistas literárias e antologias.
Pretende lançar algum livro só de contos? Em quais outros gêneros literários
você expressa suas inquietações artísticas?
Resposta:
Sim,
eu tenho um livro de contos para publicar quando a vida voltar ao normal. No
momento, estou aproveitando o tempo de reclusão para estudar e trabalhar, tenho
feito muito essas duas coisas. Eu também escrevo crônicas e contos infantis.
7 – Cite 5
momentos áureos da sua trajetória artística e 5 da sua vida pessoal.
Resposta:
Na minha trajetória
artística:
-
Exposição de minhas telas numa exposição de arte, em Cuiabá;
-
A primeira vez que peguei meu livro Matrioskas;
-
Quando terminei de escrever um conto que gosto muito;
-
meu prêmio “Poeta revelação de 2019”, no sarau POLEM.
-
Quando um ex-professor meu de Literatura, que admiro muito, fechou o ano de
2019 com uma bela exposição de Matrioskas, na sua coluna.
Na minha vida
pessoal:
-
Nascimento da minha filha Rebeca;
-
minha viagem para a Grécia;
-
Entrada na faculdade;
-
Entrada no mestrado;
-
Minha primeira viagem ao Rio de Janeiro.
8 – Arte de alto
nível, em sua opinião, é resultado do dom do artista, da inspiração ou de muita
transpiração?
Resposta:
Eu
não acredito que a gente nasce com um dom, uma aptidão inata para fazer alguma
coisa. Mas, com isso, não pretendo dizer que o homem, quando nasce, é uma tábula
rasa. E, obviamente, uma natureza, desta ou daquela maneira, pode favorecer
para uma ou outra atividade. Mas, por outro lado, existe a vida, as
influências, as experiências. Há ainda as circunstâncias e as nossas
necessidades. E quando a necessidade de fazer arte surge, para desenvolvê-la, é
preciso muita transpiração. Umberto Eco disse que são 10% de inspiração e 90%
de transpiração. Mas, na minha opinião, mesmo os 10% de inspiração é uma ideia
que não nos cai fora de nossas vivências como seres humanos. Muita gente considera
o poeta como um ser extraordinário, um profeta que fala com Deus. Se ele fala
com Deus, é porque o Verbo, de algum modo, entrou nele. Como falar com Ele, sem
entender a Sua língua? Se não fosse assim, Jesus não mandaria pregar seu
evangelho na terra.
9 – Quais são seus
próximos projetos artísticos? Poderia nos adiantar alguns deles?
Resposta:
Como
já falei lá atrás, pretendo lançar um livro de contos. E já tenho também
material suficiente para publicar outro livro de poemas. Quando as coisas
voltarem ao normal, vamos ver o que virá primeiro. Isso depende de muitas
outras coisas alheias ao meu desejo.
10
– Você fez vários cursos na área de literatura e trabalha hoje com preparação
de originais e análise crítica de literatura. Essas duas atividades
acrescentam/acrescentaram bastante riquezas aos teus trabalhos artísticos? Fale
um pouco sobre isso.
Resposta:
Com
certeza, me acrescentaram e me acrescentam muito. Os cursos que fiz me jogaram na
prática da escrita e me levaram a fazer muitas leituras relacionadas ao
universo da literatura. Investi muito nisso e continuo investindo. Para fazer
esses trabalhos de preparação de originais e análise crítica, eu tenho que
fazer pesquisas, tirar dúvidas que, às vezes, surgem durante o trabalho. Isso
me acrescenta muito. E também tem o aprendizado como o estilo dos escritores e
com os diálogos que mantemos durante o processo. Agora mesmo, por exemplo,
estou trabalhando num livro interessante, o autor é doutor em literatura, estou
aprendendo muito com a história que ele criou.
Dois poemas de Rubermária Sperandio, para uma pequena degustação de todos vocês:
Matrioska
Pra não romper nas
nervuras,
facilitar o entalhe,
secar sem se entortar,
é preciso escolher a
madeira certa.
Depois, faz-se um buraco
nela.
"Vai doer!"
Ainda dói
o miolo estripado.
No seu oco,
coloca-se a outra
feita a sua semelhança;
cópia da cópia.
Para animar mais o
artesão,
cores alegres e
divertidas.
Verniz contra o gelo,
pra ela não
desmaiar.
Assim são espalhadas pelo
mundo,
em diferentes cores e
fantasias.
Mães e filhas, bonecas
fazendo a festa do
artífice.
E lá dentro da Matrioska,
mulheres diminuídas.
Mas tudo tem um fim.
A última será a inteira.
Amor
(te)
Ainda ouço aquela voz
“eles vão te machucar”
“eles vão te machucar”
“eles vão te machucar”
podia ser só amor
herdei o medo
espingarda na mira
esperava a morte
eles vão me machucar
dia e noite sem cessar
nessa vigília
cercada pela matilha
não dormia mais
já estava machucada
puxei o gatilho
acertei
ouvi o último ladro
do bicho acuado
– eu –
morta pelos seus cães.
Onde podemos encontrar Rubermária?
Facebook:
Instagram:
@rubermariasperandio
E-mail:
rubermaria2014@gmail.com
Sites: Não
tem
O livro de poemas Matriokas se encontra à venda em várias livrarias e sites de venda do Brasil:
Amazon: https://www.amazon.com.br/Matrioskas-Ruberm%C3%A1ria-Sperandio/dp/8555270944
Amazon
(Kindle):
https://www.amazon.in/Matrioskas-Poemas-Portuguese-Ruberm%C3%A1ria-Sperandio-ebook/dp/B08FF1KN7R
Editora Besourobox:
Americanas:
Submarino:
Livraria Leonardo
Da Vince:
https://www.leonardodavinci.com.br/livros/sp3525/9788555270949/matrioskas.html
Shoptime:
Martins Fontes:
https://www.martinsfontespaulista.com.br/matrioskas-897781/p
Magazine Luiza:
Minibiografia
Rubermária Sperandio
Mineira, criada em
Mato Grosso, vive hoje no Rio de Janeiro. Formada em Comunicação Social,
com mestrado em Mídia, Política e Cultura pela UFMT. Foi professora, trabalhou
como assessora parlamentar e de comunicação em Mato Grosso.
Fez vários cursos
na área de literatura. Trabalha hoje com preparação de originais e análise
crítica de literatura. Tem vários contos e poemas publicados em revistas
literárias e antologias. Lançou em 2019, o livro de poemas feminista,
“Matrioskas”.
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