Aparentemente é muito difícil escrever sobre alguém que você não conheceu, mas no caso da Dona Tata, parece que estou escrevendo sobre uma velha conhecida, alguém que fez parte da minha vida, e fez, literalmente, desde o início. Dona Tata era parteira, pelo que dizem das boas. Era a parteira da Vila, pelas histórias que ouvi, trouxe muitos bebês ao mundo. Eu fui um deles.
O lado difícil de escrever sobre uma pessoa que não
tem uma imagem definida na sua mente, não existindo um convívio, é não poder
descrevê-la fisicamente e é justamente aí que mora o desafio. Existe um enigma,
assim como todos os enigmas que carregamos de tentar dar forma ao desconhecido
que nos fascina. Dona Tata representa isso, alguém que viveu, e ainda vive,
através do seu trabalho. O desprendimento e a doação dessa mulher, mesmo que
não tenha sido intencional foi de uma importância ímpar para muitas famílias, o
que me leva a pensar que querer fazer somente as coisas que são reconhecidas
por alguma “grandiosidade” se perdem justamente pela falta de entendimento de
que elas estão em atitudes que não são reconhecidas num primeiro momento, como
se fossem a base de uma construção. Para que grandes coisas pudessem ser
realizadas, alguém teve que dar sustentabilidade a elas. Essa era Dona Tata, uma
mulher sem rosto que carregava um pequeno mundo nas costas.
Minha mãe teve três filhos, todos nascidos em casa,
parto normal. Difícil imaginar, hoje em dia, situações como aquelas que
vivíamos. O local de banho era uma casa de madeira, uma lata amarrada no teto,
com arame, uma taboa para poder se equilibrar, permitindo que a água escorresse
por uma valeta, cavada no chão de terra, até um valo. Tudo isso a céu aberto. O
local para “fazer as necessidades” ficava no fundo do terreno, um poço, com uma
casinha de madeira em volta, chamado de Patente, onde eram depositadas as fezes
de todos os moradores do terreno. E assim eram todas as casas da vila. Dias de
enchente era o caos e, mesmo assim, desconhecendo os perigos, as crianças
tomavam banho como se fosse uma piscina. Hoje, lembrando isso, fico imaginando
que trabalho maravilhoso fazia Dona Tata, considerando todos os aspectos que a
cercavam.
Tinha a
confiança de todas as mulheres que ouvi falarem dela. Era, quase, uma espécie
de santa, dotada de uma sabedoria popular ímpar. Esforço-me para lembrar do
rosto dela, pois a vi fazer o parto da minha segunda irmã, eu tinha cinco anos.
Lembro vagamente do rosto dessa senhora, mas lembro da simplicidade, da
humildade em trazer alguém ao mundo sempre que era chamada, (partos difíceis,
como foi o da minha irmã). Era como se fosse um sinal que em momentos de
necessidade era ligado para chama-la. E lá estava ela, surgindo sabe-se lá de
onde, firme na sua missão, que depois de cumprida retornava ao anonimato em
silêncio. Uma espécie de enigma que (para mim) a cercava. Uma quase deusa que
tinha o dom da vida em suas abençoadas mãos.
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