José Henrique Calazans - 10 pra quem é 10 - Entrevista conduzida por Marcelo Mourão

10 pra quem é 10


Para essa terceira entrevista, que produzi para o Portal Poemas à Flor da Pele, convidei o poeta, contista, dramaturgo, roteirista, músico, multiartista José Henrique Calazans!





Vamos conhecer um pouco mais sobre este grande artista brasileiro?


1– Quando você percebeu que queria trabalhar com arte? Conta para nós como foram os primórdios da sua vida de artista.

Resposta: Já nos tempos de colégio eu percebi que gostava de escrever. Costumava ir bem nas redações da escola e até me arrisquei a escrever algumas histórias de terror na adolescência. Mas, se não me falha a memória, nesta época eu ainda via a arte como simples lazer. Só passei a encarar a possibilidade de trabalhar com arte de forma mais séria por volta dos 16 anos, quando surgiu minha paixão pela música.



2 –Música, poesia, conto, teatro, qual arte te dá mais prazer de fazer? Nos diga como elas convivem entre si no teu cotidiano.

Resposta: Esta é uma pergunta difícil de responder (rs). A música me dá muito prazer, mas exige uma disciplina que às vezes pode ser um pouco frustrante. Na escrita (seja de poesia, conto ou dramática) eu me sinto um pouco mais livre, mas também pode ser frustrante quando se está sem inspiração. A forma como elas convivem no meu cotidiano às vezes é um pouco confusa, tem dias em que fica difícil saber qual atividade artística priorizar (rs). Mas o bom de me dedicar a tantas artes diferentes é que a acabo não me entediando com nenhuma delas.



3 - Poderia citar 10 nomes que influenciaram/influenciam você como artista?

Resposta: Na literatura, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Luis Fernando Veríssimo; no teatro, Stanislavski, Brecht e Nelson Rodrigues; na música, Hongos Longos, Dream Theater e Tom Jobim. Não posso deixar de mencionar também Vinícius de Moraes, que é uma grande influência para mim em diversos campos artísticos.



4 –Como foi para você ter sido um dos produtores do sarau POLEM, de 2008 a 2010? Você tem alguma(s) lembrança(s) boa(s) dessa experiência para contar?

Resposta: Foi uma experiência incrível. Aprendi muita coisa sobre como lidar com o público ajudando a produzir o sarau. Tenho várias lembranças boas: o lançamento do meu livro, as fantasias de carnaval e dia das bruxas, as brincadeiras que fazíamos no finado Orkut, as conversas que tínhamos para definir o tema ou homenageado de cada semana...



5 –A partir de 2010, você trabalhou muito mais em teatro do que na literatura. Nos conte como foi essa fase e por que resolveu cair de cabeça na vida de ator/diretor.

Resposta: Acho que atualmente eu tenho trabalhado mais como dramaturgo do que como ator ou diretor, mas isto acaba não chegando tanto ao público devido à dificuldade de colocar estas peças em cena. De qualquer forma, minha fase como ator e diretor foi enriquecedora, tanto que voltei a trabalhar como ator este ano numa peça online. Foi uma fase bem produtiva também, cheguei a participar de 3 peças, um esquete e um curta-metragem no mesmo ano (rs). Acho que esta dedicação teve muito a ver com a faculdade que eu fazia na época, mas também com o fato de a literatura às vezes ser uma arte meio solitária, não apenas no momento da criação, mas principalmente em relação a fases como a divulgação e a distribuição (especialmente se você não tiver apoio de uma grande editora). Se a pessoa não possui uma boa estrutura na internet, se não é boa em fazer marketing nas redes sociais, acaba dependendo muito de saraus para divulgar e vender seu livro. E, por mais prazerosos que os saraus sejam, financeiramente eles não são tão vantajosos, porque às vezes você vende tão pouco que acaba nem compensando o gasto que teve com passagem e alimentação. Já no teatro você tem mais gente te ajudando a produzir, a divulgar, então geralmente acaba chegando a um público maior. Mas isto não quer dizer que viver de teatro seja fácil, assim como não é fácil viver de nenhuma arte no Brasil. A sensação que me dá é que, independente do caminho que eu escolha, sempre haverá enormes dificuldades.



6–Como foi cursar a oficina poética do Cairo Trindade? Foi teu começo no meio poético carioca? E como foi a experiência de escrever o roteiro da peça do Byafra, “Voo de Ícaro”?

Resposta: Antes de conhecer o Cairo, eu achava que sarau de poesia era algo que tinha acabado no século XIX (rs). Então a oficina do Cairo me abriu muitas portas, me fez descobrir um mundo completamente novo. Além disto, minha escrita evoluiu muito com as aulas do Cairo Trindade. Ao mesmo tempo em que aprimorava questões técnicas como métrica, ritmo e rima, passei a adotar uma linguagem mais moderna, mais próxima do público de hoje. Porque antes do Cairo eu tinha certa tendência a ser rebuscado demais, adorava usar palavras que quase ninguém entendia (rs). Esta noção de modernidade foi importante para a minha prosa também. Adaptar o romance de Byafra e Pinheiro Júnior “Voo de ícaro” para o teatro foi um enorme desafio. Primeiro porque o romance é muito complexo, então para tornar a peça viável eu tive que fazer algumas mudanças. Segundo porque eu não tinha experiência anterior com este tipo de trabalho, então precisei estudar muito para saber onde eu estava pisando. Mas eu me apaixonei pela história e pelas músicas do Byafra e do Fred Vasconcelos, então o esforço valeu à pena. E vou ficar ainda mais satisfeito no dia em que finalmente conseguirmos colocar esta peça nos palcos.



7 –Cite 5 momentos áureos da sua trajetória artística e 5 da sua vida pessoal.

Resposta: Na trajetória artística, posso citar momentos como a premiação no V Concurso Bafafá de Poesia, em 2005 (que foi uma espécie de “pontapé inicial” na minha carreira de poeta), o lançamento do meu livro “Quem vai ler esta merda?”, a participação no I Festival Experimenta, em 2015 (onde tive a oportunidade de trabalhar como dramaturgo, diretor, assistente de direção, produtor e compositor de trilha sonora em alguns esquetes), o trabalho como ator no musical infantil “O Sapatinho Mágico”, (entre 2013 e 2015) da Cia Raízes do Mundo, e ter um poema musicado e gravado por Jane Duboc em 2018. Na minha vida pessoal é difícil citar momentos específicos, mas posso citar alguns fatores que tornam minha vida mais alegre, como o carinho da família e o apoio dos amigos, por exemplo.



8–Arte de alto nível, em sua opinião, é resultado do dom do artista, da inspiração ou de muita transpiração?

Resposta: Muita transpiração. Apesar de eu ter citado a inspiração em uma das respostas anteriores, acho que sem um trabalho de muita leitura e pesquisa, por exemplo, dificilmente a inspiração vai encontrar um terreno fértil para brotar. Sem contar no trabalho posterior de revisar e aprimorar o que foi escrito. Na música também, você até pode ter excelentes idéias, mas sem estudo não vai conseguir executá-las. E no teatro, pelo menos na forma como ele é feito hoje em dia, é impossível trabalhar com base somente na inspiração. Mas o dom ajuda; acho que quando a pessoa tem o dom, ela vê o resultado dos seus esforços mais rápido e com mais facilidade.



9 –Quais são seus próximos projetos artísticos? Poderia nos adiantar alguns deles?

Resposta: Estou finalizando meu primeiro livro de contos e em breve devo começar a busca por uma editora. Meu segundo livro de poemas está bastante adiantado também. Estou escrevendo, a pedido de um diretor amigo meu, uma peça de teatro em parceria com Flávia Florencio, sob orientação da artista visual Silvia Schiavone. E tenho pesquisado alguns editais de teatro com um amigo produtor, inclusive mandei um esquete para um deles dia desses.



10 - Qual é a pergunta que você gostaria de responder e eu não fiz?

Resposta: Suas perguntas são excelentes, acho que não tenho criatividade o suficiente para bolar algo diferente (rs).



Dois poemas de José Henrique Calazans, para uma pequena degustação de todos vocês:


Plantação

a Pedro Tostes


O agricultor matou a fome com um naco de terra

e protegeu-se do frio com um cobertor de vermes.

Não tinha terra; agora, ele era a terra.

E, no buraco que a espingarda cavou em seu peito,

fincaram-se as raízes da miséria e do desespero.


Seu sangue, ainda quente, irrigou a lavoura

e fez brotar flores raquíticas

de frutos que não matam a fome.

Sua carne, mesmo que pouca, adubou as plantas

e deu-lhes a palidez mórbida

do triste fim de seu cultivo.


Novos agricultores vão chegando

para também fincar raízes naquele latifúndio.

Novos agricultores vão chegando

para saciar a mesma fome de terra.

Novos agricultores vão chegando;

são iguais na busca e também no destino

de cair sempre nas garras da mesma fera.


E, a cada novo estampido de tiro,

vê-se mais uma semente

na plantação de homens.



Um dia o circo acaba

Pinto a cara com a tinta mais brilhante

para ofuscar minhas muitas sombras.

Visto um sorriso largo e vermelho

para me defender do desespero.

Uso a roupa mais espalhafatosa

para esconder o medo e a solidão.

E torço para que este nariz de palhaço

faça o público perdoar minha feiura.


Se invento contorcionismos impossíveis,

me sujo, tropeço, escorrego,

ou bato em mim mesmo

com um martelo de brinquedo,

não é apenas para arrancar risadas:

é para acalmar dores muito antigas.

Pois só no picadeiro eu sei fingir

que não sou um parasita

sugando gargalhadas para se manter de pé.

Ou que não sou covarde demais

para os saltos dos trapezistas.


E quem sabe, depois de todo esse teatro,

em algum momento entre o aplauso

e o fechar das cortinas,

eu consiga ser feliz.



Onde podemos te encontrar?

Facebook: https://www.facebook.com/jhcalazans

Instagram: @josehenriquecalazans

E-mail: jhcalazans@gmail.com



Minibiografia

José Henrique Calazans nasceu no Rio de Janeiro em 1986. Como escritor, lançou em 2009 o livro de poemas Quem vai ler esta merda?, que teve sua segunda edição em 2012. Em 2010, publicou o zine Desdobrando Versos. Participou de várias revistas e coletâneas, incluindo a revista Não Funciona e a antologia luso-brasileira Um rio de contos, e integrou diversas edições de o Livro da Tribo. É autor do esquete Amor Sob Máscaras, que participou do I Festival Experimenta e recebeu menção honrosa no Prêmio Dramaturgia do festival Niterói em Cena (2015). Integrou com um poema visual a exposição Miragens em 2016. Em 2018, seu poema Rastro de Sangue foi musicado e gravado por Jane Duboc, no cd Duetos. Em 2021, participou da construção do texto coletivo Conexões antes do fim do mundo, resultado da oficina de dramaturgia “Primeiros Passos”, ministrada por Carolina Lavigne. Fez oficinas literárias com Cairo Trindade, Sérgio Sant'Anna, Cláudia Lage e Chacal. Participou do grupo performático Farani 53. Recebeu prêmios em diversos concursos literários. Foi um dos organizadores do sarau POLEM e colaborou com o jornal Bafafá Online. Como ator, trabalhou nas peças Artista? (2012), O Sapatinho Mágico (2013 a 2015), Gota D'Água (2014), O Mercador de Veneza (2014), Ópera do Malandro (2014) e Conexões antes do fim do Mundo (2021), no esquete A Pimenteira e no audiodrama Love Songs - Cacatua Hits (2013). Como músico, colaborou com a webrádio Poesia Mix, foi guitarrista da banda Casa de Versos e participou da trilha sonora dos esquetes Amor sob Máscaras e A Viúva do Vilarejo, além das peças Homens de Papel e Hedda.




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3 Comentários

  1. Maravilhosos! Uma honra imensa ter este espetacular artista e escritor, aqui em nossa página! Parabéns, sucesso!

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    1. Eu é que me sinto honrado em estar neste espaço. Obrigado pelo carinho e sucesso para todos nós!

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