A família Santos mora em Bagé há muitos anos, vivem em uma casa alugada e modesta de seis cômodos, mas sempre sonharam em ir para uma casa maior e com um quintal grande, por isso Antônio economizou durante muito tempo e, finalmente, conseguiu comprar sua casa dos sonhos, era um pouco mais afastada da cidade, ficava em uma zona rural, com poucas casas e uma pequena igreja, mas era o suficiente para eles, além de se livrar do aluguel poderiam dizer que era sua.
Mas não esperavam que a partir daquele momento suas vidas se tornariam um inferno.
Isabel entrou correndo pela cozinha naquela manhã, não escondia sua felicidade em conhecer sua nova casa, a família iria se mudar no dia seguinte para uma casa maior e, finalmente, ela teria seu próprio quarto, durante muitos anos dividiu um beliche com sua irmã mais nova, sendo uma adolescente precisava de mais privacidade, já despertava desejos por outros meninos e seu amigo Paulo era sua paixão secreta, no momento, nunca revelou suas intenções por medo de ser rejeitada, uma vez que ele era seu melhor amigo.
Era uma menina muito alegre e dedicada aos estudos, gostava de ler e ouvir música em seu celular e em casa era quem fazia as tarefas diárias para sua mãe, só não gostava de mentiras, dizia que mentira tem perna curta e um dia a verdade aparece e cobra o preço.
- Isabel o que você tem hoje, parece elétrica, disse a mãe.
- Estou feliz em conhecer nossa casa nova e, claro, escolher meu quarto, já fico imaginando ele todo arrumadinho, bem como gosto, posso colocar papel de parede se não gostar da cor mãe?
- Vamos ver se vai sobrar dinheiro, seu pai já gastou muito nessa casa e além do mais ainda tem o valor da mudança, que não vai sair barato.
- Eu posso arrumar um emprego de babá, em meio período, ganho um dinheirinho e ajudo a comprar o papel de parede.
- Para com isso Isabel, você nem viu ainda o seu quarto e já quer fazer mudanças.
- Eu sei vou me conter até amanhã, onde está Clarice?
- Ainda não acordou, essa preguiçosa.
- E papai, já foi trabalhar?
- Saiu cedo hoje e nem tomou café, tinha uma reunião com um cliente, tome seu café e acorde seus irmãos.
Isabel entrou em seu quarto e pulou em cima de Clarice que levou um susto, soltando um grito de raiva.
- Saia de cima de mim sua doida, quer que o beliche caia em cima de nós?
- Levanta agora e vai tomar café, temos aula hoje esqueceu?
- Tá bom, já vou, mas sai de cima de mim.
Clarice tinha 13 anos e ainda era uma criança, gostava de brincar de boneca e pular corda com suas amigas, às vezes brigava com sua irmã por causa de meninos, tinha pavor de meninos e sempre que Isabel menciona algum, ela fazia careta e dizia “eca”!
Era uma menina alegre e educada, muito boa em matemática e educação física, ganhou medalhas em algumas competições na sua escola. Tinha um segredo que nunca revelou a ninguém, às vezes via vultos e escutava vozes em todos os lugares que frequentava, tinha medo de contar a seus pais, pois podiam achar que estava louca, às vezes comentava algo com Isabel, mas a mesma não acreditava.
- Bom dia mãe, disse Clarice.
- Bom dia filha, seu irmão já acordou?
- Sim mãe, já está vindo.
- Isabel vai lá e apresse seu irmão, senão vocês irão se atrasar para escola.
- E já o chamei mãe, espera uma pouco.
- Pedro vem tomar café de uma vez guri, gritou a mãe.
- Pronto já cheguei, não precisa gritar oras.
- Não estou gritando. Olha os modos com sua mãe, se ninguém te chama tu ficas na cama até meio-dia.
- Tá bom, desculpa mãe.
- Eu quero todas as coisas de vocês arrumadas depois da escola, vamos sair cedo amanhã, e vocês sabem como seu pai é, não gosta de esperar.
- Eu já arrumei tudo, não falta nada, disse Isabel.
- E você Clarice?
- Sim já arrumei também, mas o Pedro ainda não, o quarto dele está uma bagunça.
- Mentira mãe. só não arrumei minha cama ainda, para de mentir sua bobona. Atirou um pouco de cereal em Clarice, que gritou para sua mãe.
- Olha o que ele fez mãe, atirou cereal em mim e molhou minha blusa de leite, guri idiota!
- Parem os dois, nem parecem irmãos, estão sempre brigando. Pedro ia falar algo, mas sua mãe o interrompeu com um gesto de mão.
- Chega nem mais uma palavra, Clarice agiliza as coisas aqui na cozinha que eu preciso ir ao mercado comprar sacos de lixo, depois leva seus irmão para A escola.
- Está bem mãe, deixa comigo.
Já eram sete horas quando Antônio chegou em casa, parecia cansado e estava bem aborrecido com seu trabalho. Maria notou sua aparência e foi logo perguntando:
- O que foi Antônio, se incomodou no trabalho?
- Não é nada demais, sós coisas do trabalho, onde estão as crianças?
- Cada um em seu quarto, menos Isabel que foi buscar um caderno na colega.
- A essa hora?
- É aqui na rua, logo em seguida, na casa da Margarete lembra? É a filha do seu Joaquim que morreu ano passado.
- Ah sim, lembro agora, ele tinha problema de coração, mas me diga está tudo pronto para amanhã?
- Sim tudo empacotado, que horas o caminhão da mudança chega?
- Acho que lá pelas oito horas, vamos sair em seguida e não quero atrasos.
- Mas nem precisa se estressar, só vamos mudar de bairro, não estamos indo para outra cidade ou país, Bagé não vai a lugar algum, ainda estará aqui pela manhã. riu de si mesma.
- Você está piadista hoje né Maria? Disse Antônio.
- Para com isso, deixa de ser emburrado, é bom se distrair às vezes.
- Bom vou tomar um banho e depois conversamos.
-A janta já vai ficar pronta.
O Jantar
- Está na mesa, venham comer gente, disse Maria.
Pedro e Clarice entraram na sala correndo e quase que quebram um vaso de sua mãe.
- Já começaram vocês dois, até quando isso?
- O que foi Maria? Perguntou Antônio.
- Teus filhos, já começaram a se bicar.
Antônio olhou para os dois com cara de poucos amigos e mandou que os dois se sentassem de boca fechada.
- Não quero um pio dos dois, comam de boca fechada e só falem se eu mandar, entenderam?
Os dois responderam com um movimento de cabeça, sem falar nada. Isabel chegou em seguida com sua mochila e um livro na mão.
- Nossa que silêncio é esse, alguém morreu? Perguntou ironicamente.
- Teu pai proibiu seus irmãos de falarem durante o jantar, quase quebraram meu vaso preferido, com suas briguinhas.
- Sério isso, será que vai ser assim na casa nova também?
- Lá a coisa vai ser diferente, vou colocar regras, disse Antônio.
- Bom acho melhor assim, quem sabe eles mudam, disse Isabel.
- Vou lavar as mãos e já venho comer.
- Fiz carne de panela, feijão e salada, tem arroz de carreteiro do meio-dia.
Todos estavam sentados e comendo, quando Pedro resolveu quebrar o silêncio e disse algo que todos ficaram em silêncio por alguns segundos:
- Preciso falar uma coisa para vocês, sei que não podia falar, mas eu vi algo que me assustou hoje aqui em casa.
- O que é Pedro? Pode falar, disse a mãe.
- Eu estava vindo comer e vi a Clarice no quarto dela falando com alguém, mas não tinha ninguém no quarto além dela, eu fiquei escondido escutando tudo e então vi quando uma das bonecas de Clarice foi jogada em direção a ela. Por isso a gente veio correndo e quase quebramos seu vaso.
- É verdade isso Clarice? Perguntou Antônio.
-Não mãe, mentira dele, fui eu que joguei a boneca em mim mesma para assustar ele, eu sabia que ele estava ali.
- Mentira mãe, eu vi tudo, ela está mentindo.
- Isso não é coisa que se faça para seu irmão, ele só tem dez anos, depois não dorme direito com medo.
- Foi só uma brincadeira mãe, não vai se repetir.
Quando Pedro iria falar de novo seu pai o mandou ficar quieto, em seguida disse â Clarice que ela estava de castigo por uma semana.
- Uma semana por causa de uma brincadeira? Esse guri é muito chorão!
- Chega e vamos comer, pois amanhã levantamos cedo e quero todos na cama em seguida, sem celular e TV.
- Isabel você avisou a diretora que amanhã não podem ir à aula?
-Sim avisei, ela disse que tudo bem e que depois é só pegar a matéria com os colegas.
-Está bem, Clarice tira a mesa e Isabel lava a louça, Pedro você vai levar o lixo para rua depois cama.
- Mas mãe são oito e meia agora, é muito cedo para dormir, disse Pedro.
-Mas amanhã vamos acordar as sete, o caminhão chega ás oito e não quero atrasos, vai de uma vez e não reclama.
Todos foram dormir lá pelas nove horas, Antônio estava preocupado com um assunto de trabalho e custou a pegar no sono.
Já passava das sete quando acordaram, Maria já estava na cozinha fazendo o café e Antônio lia o jornal em sua poltrona favorita. Isabel chegou em seguida com Clarice, as duas pareciam felizes, Pedro foi o último a levantar e já chegou reclamando logo cedo.
- Alguém roubou um pé do meu chinelo, só pode ter sido tu né, Clarice?
- Não inventa guri, nem cheguei perto de seu quarto.
- Depois tu procuras guri, vem tomar café antes que os homens da mudança cheguem.
As oito e quinze o caminhão encostou em frente a casa, Antônio levantou de sua cadeira e foi até à rua tirar seu carro da garagem, pois o caminhão tinha que entrar de ré até à entrada, pois alguns móveis eram grandes demais para passar na porta, tinha que facilitar o acesso à garagem.
Já eram dez horas quando todos saíram em direção à nova casa, o caminhão foi atrás do carro de Antônio, pois não sabiam como chegar até lá. As meninas ainda deram um pequeno adeus pela janela e começaram a dar risadas.
- Por que estão rindo gurias? Perguntou Maria.
- Por que sim, estamos felizes de sair dessa casa, só isso, demos um tchau pra ela pela janela. Todos riram naquele momento.
- Olha lá, estamos chegando, é aquela casa branca com cerca de ferro, estão vendo crianças?
- Nossa é enorme mãe, disse Isabel.
- Sim e tem um sótão que pode virar um quarto.
- É meu, gritou Isabel.
- Calma guria, tu nem viu os outros quartos ainda.
Antônio encostou o carro na frente da casa e foi abrir o portão, que estava fechado com cadeado. Em seguida o caminhão de mudança encostou na entrada da casa.
Era uma bonita casa, com janelas grandes, pintada de marrom, a porta era de madeira com vidros enfeitados com pequenas flores, a garagem era ampla e cabiam dois carros. Isabel olhou para a pequena janela que ficava à direita da casa, parecia continuar no telhado, e era em formato oval, estava certa que aquele seria seu quarto. Estava em uma zona rural cheia de árvores e muito verde, no total eram cinco casas vizinhas, mas não ficavam muito perto, uma das outras, dos fundos da casa dava para ver uma pequena igreja e um cemitério logo em seguida.
Antônio abriu a porta e todos entraram com um sorriso no rosto, Isabel saiu correndo em direção a uma pequena escada no fundo da sala, subiu depressa e quase tropeçou nos degraus. Maria foi direto para a cozinha, nunca tinha visto algo tão bonito e grande, tinha pia de mármore e um fogão à lenha, os azulejos eram brancos com detalhes em azul, estava tão feliz que nem conseguia falar, enquanto isso Antônio foi até a garagem orientar os homens da mudança.
Pedro pegou sua mochila e escolheu o seu quarto, enquanto Clarice subiu atrás de Isabel.
- Olha Clarice, esse quarto é enorme, tem até essa janelinha que é um amor, consigo ver aquela casa e toda a frente de nossa casa, só não gostei da cor e vou colocar papel de parede, imagina que mau gosto colocar rosa na parede, meu Deus que tipo de gente escolhe rosa?
- Olha Isabel tem uma mancha preta ali no teto, será que é mofo? Indagou Clarice.
- Pode ser sujeira ou mofo mesmo, vou pedir para o papai dar uma olhada, ele trabalha em uma firma de construção deve saber o que é.
Maria chamou Antônio de repente, pois estava preocupada com uma mancha preta no teto da cozinha, achava ser algum tipo de vazamento na casa, mas como não entendia nada de construção resolveu perguntar a seu marido que era engenheiro.
- O que pode ser isso Antônio, algum vazamento de água?
- Não Maria, os canos de água não passam pelo teto, mas é estranho essa mancha estar aí agora, quando vim ver a casa não tinha essa mancha, pode ser algum tipo de mofo.
- E como podemos resolver isso? Eu não posso cozinhar com essa mancha que nem sei o que é.
- Vou pedir para alguém dar uma olhada na segunda-feira. Isabel entrou na cozinha e foi logo falando sobre a tal mancha em seu suposto quarto.
- Pai preciso que o senhor de uma olhada no sótão, tem uma mancha enorme no teto.
- Igual a essa da cozinha? Perguntou Antônio.
- Nossa, ela é igual a que tem lá em cima.
- Na verdade o sótão fica bem em cima da cozinha, então é algum tipo de mofo que está vindo de lá.
- Seu pai vai resolver isso, não se preocupe.
- Está bem mãe, vou dar uma olhada no resto da casa com Clarice.
- Onde está seu irmão?
- Eu não o vi desde que chegamos, disse Isabel.
Maria começou a chamar por Pedro, que logo em seguida apareceu na sala, estava sujo de preto em sua roupa, parecia ter brincado com tinta ou carvão.
- Que é isso em sua roupa Pedro? Perguntou Maria.
- Eu sujei tentando tirar uma mancha da parede de meu novo quarto.
- Que tipo de mancha guri, onde que ela está?
- Na parede do quarto já disse.
-Vou lá olhar, vem Antônio vamos lá ver se é igual a da cozinha.
O quarto que Pedro escolheu ficava bem próximo à cozinha e quase embaixo do sótão.
- Olha isso Antônio, já é o terceiro lugar da casa que tem isso e ainda nem vi os outros cômodos.
- Calma mulher, nós vamos resolver isso, segunda vou ligar para a imobiliária e resolvo.
Maria ficou tão preocupada que foi direto para o quarto do casal verificar se estava tudo certo. Chegando lá ficou mais aliviada.
- Graças a Deus, aqui não tem nada, agora vamos ver o outro quarto. No outro quarto também não tinha mancha alguma.
- Viu mulher? É algum tipo de fungo que está vindo lá de cima, isso a gente resolve rapidinho, disse Antônio.
A mudança havia acabado e todos estavam cansados, pediram uma pizza e foram dormir cedo para no dia seguinte começar a desempacotar tudo e arrumar a casa.
Dia 1 – pratos que voam
Maria acordou antes de todos e começou a abrir as caixas que diziam 'frágil', com o material de cozinha, pois tinha que manusear com todo o cuidado. Começou a abrir a primeira caixa, quando escutou alguém bater na porta. Pensou, quem será a essa hora da manhã? Já tinha tirado alguns pratos da caixa, mas quando foi em direção à porta, um deles caiu sozinho no chão. Levou um susto na hora e esbravejou de raiva por ser um dos pratos preferidos dela, foi presente de casamento de seu pai e ela nunca havia usado.
- Não faltava mais nada, visita há essa hora e um prato da minha coleção em pedaços no chão, comecei bem o dia.
Na porta, estava parada uma mulher idosa, vestida como freira, tinha um rosário em uma de suas mãos, parecia ser cega de um dos olhos e ao ver Maria sorriu de um jeito sem graça.
- Bom dia senhora, sou a irmã Rose e venho em nome de nossa igreja lhe dar as boas vindas, desculpe ter vindo tão cedo.
- Não tem problema irmã, eu já estava de pé há muito tempo, a senhora quer entrar um pouco?
- Não obrigado, eu não vou entrar essa casa não me traz boas lembranças.
- Como assim, a senhora já esteve aqui antes? Indagou Maria.
- Sim, na verdade eu sempre vinha com o Padre Tomas... pensou um pouco e voltou a falar quase sussurrando:
- Não quero que eles ouçam, então vou falar baixo…
- Eles quem? Minha família? Estão todos dormindo, hoje é sábado e ninguém tem compromisso, pode falar sem problema.
- Não senhora, não é sua família que pode ouvir, são eles...
Maria ficou surpresa e indagou à irmã novamente:
- O que a senhora está tentando me dizer irmã, pare de rodeios e fale de uma vez, quem são eles?
- Espíritos do mal vivem nessa casa e eles escutam tudo que falamos agora, os antigos moradores foram embora com medo de morrer nessa casa, ela é do mal e uma escuridão paira sobre ela.
Maria interrompeu a irmã com um gesto de mão, estava bem nervosa.
- Pode parar com esse papo de assombração pra cima de mim irmã, a senhora me desculpa, mas tenho o que fazer, se me dá licença, preciso entrar... e obrigado por vir mesmo assim.
- Mas senhora, é verdade! Disse a irmã.
- Eu só acredito em Deus e no que posso ver e tocar, o resto é história pra contar quando falta luz, como faziam meus irmãos lá em Porto Alegre, agora me dê licença e passe bem.
Maria fechou a porta, mas ficou espiando pela janela até a irmã ir embora. Antônio apareceu de repente e Maria levou um susto quando o viu parado atrás dela.
- Quer me matar de susto homem?
- Quem estava aí a essa hora da manhã?
- Sabe aquela igreja que dá pra ver lá dos fundos? Ela veio de lá, querendo dar boas vindas para nós, só que depois veio com uma história de assombração pra cima de mim, disse que a casa tem espíritos e tal, acho que é meio doida essa mulher e ainda por cima é cega de um olho. começou a rir.
- Que isso Maria? Não deboche dos outros mulher, ainda mais de uma freira.
- Que nada só estou me distraindo um pouco, quer café? Acabei de passar, tá bem fresquinho.
- Vou tomar um pouco, depois vou à garagem ajeitar algumas coisas.
- Tu acreditas homem, quebrou um dos pratos que papai nos deu de presento no nosso casamento, bem na hora que eu estava tirando da caixa, a mulher bateu na porta, quando fui atender um caiu no chão e se espatifou.
- É só um prato mulher, se compra outro.
- Mas era de estimação homem, nem tinha usado ainda e agora o conjunto está incompleto.
- Mas continua sendo apenas um prato, vou lá na garagem, qualquer coisa me chama.
Deu um beijo no rosto de Maria e saiu.
Isabel entrou na cozinha bocejando e logo foi reclamando de sua noite mal dormida.
- Bom dia mãe, passei uma noite daquelas.
- O que foi filha? Não conseguiu dormir direito, indagou Maria.
- Não sei bem o que era, custei a pegar no sono e fiquei ouvindo barulho no teto a noite toda, parecia um bicho arranhando.
- Só o que falta ter ratos aqui também, tu acreditas que veio uma freira aqui em casa hoje?
- Freira? O que ela queria mãe? Perguntou Isabel.
- Dar boas vindas para a família e tal, depois ficou me contando sobre a casa e que é assombrada, o pior que começou a falar bem baixinho, como se alguém na casa pudesse ouvir, imagina isso guria? Ah, e ainda quebrou um prato da minha coleção.
- O que o vovô te deu de presente de casamento? Perguntou Isabel.
- Sim, desse conjunto mesmo e teu pai veio com um papo de que é só um prato.
Maria! Com aquele jeitão dele, o próximo quebro na cabeça dele, riram as duas sem parar…
- Vai tomar teu café que eu preciso de ajuda na cozinha.
Maria havia desempacotado todos os materiais de cozinha e agora estava organizando tudo em um armário.
- Onde coloco essas xícaras de porcelana? |A gente nem usa elas mesmo.
- Isso aí, foi tua tia Odete que me deu, cuidado são de porcelana, não quebre.
Antes de Isabel responder sua mãe, os talheres de cima da mesa começaram a tremer e um dos pratos que estava no armário foi jogado contra a parede.
- Isabel! Gritou a mãe.
- O que mãe? Eu não fiz nada.
- E como esse prato foi parar na parede? Ah não... mais um da minha coleção não acredito...
- Isabel estava imóvel olhando para sua mãe, quando disse:
-Mãe, olha ali na mesa rápido.
Maria estava ajoelhada no chão juntando os cacos do prato, quando virou deu um grito.
- Jesus cristo, quem fez isso?
Os garfos e facas de cima da mesa estavam todos em pé e pareciam apontar para Isabel. Maria com toda a calma do mundo pediu que Isabel saísse de frente dos talheres calmamente, no momento que deu um passo para o lado todos os talheres voaram em direção ao armário, algumas facas ficaram cravadas na madeira e o resto caiu no chão fazendo muito barulho,
Maria abraçou forte Isabel e perguntou se ela estava bem, Isabel fez sinal com a cabeça, mas não parava de tremer. Antônio entrou correndo na casa e se assustou com o que viu, correu em direção as duas, que continuavam abraçadas.
- O que aconteceu aqui mulher? Perguntou.
- Não sei homem, de repente tudo começou a voar e quase acertou a Isabel e mais um prato da coleção quebrou, estou começando a acreditar no que aquela freira me falou.
- Para com isso mulher, tudo tem uma explicação, disse ele.
- É mesmo, então me explica isso, como um prato voa na parede sozinho e depois facas e garfos ficam de pé e saem também voando em direção ao armário. Olha lá o armário como está, tem umas três facas cravadas nele, vai ver fui eu que coloquei ali pra decorar.
Maria estava bem nervosa e sua voz transmitia muita irritação.
- Tá bom mulher, eu acredito em você. Tu tá bem Isabel? Perguntou.
- To bem pai, me deixa ajudar a limpar essa bagunça.
- Pode voltar para a garagem que a gente limpa aqui, não precisamos da tua ajuda, vamos rápido Isabel antes que teus irmãos acordem, não quero que tu fale nada pra eles do que aconteceu hoje.
- Tá bom mãe, não vou dizer nada.
-Quero que tu vás lá naquela igreja e peça para o Padre Tomas. acho que é esse o nome que aquela freira falou, que ele venha aqui em casa hoje à tarde benzer a casa.
-Pra que isso mãe? Até parece que tem fantasma aqui.
- Depois de hoje não duvido de mais nada, minha filha, onde já se viu pratos e talheres voando pela cozinha, isso não é normal.
- Eu nunca vi nada parecido, só em filme de terror, Deus me livre!
Isabel fez o sinal da cruz e os pratos do armário começaram a tremer e em seguida todos caíram no chão. Maria deu um grito e chamou Antônio.
- O que foi agora mulher?
Maria estava com as mãos juntas e chorando feito criança.
- Meu Deus de novo? Quem fez isso agora?
- Não sei homem, caiu de repente, do nada.
- Eu estava falando de assombração e aí fiz o sinal da cruz e bem na hora caiu tudo no chão.
- Alguém tem que ir até a igreja e chamar o padre para benzer a casa, urgente!
- Eu vou Maria, pode deixar, vou agora.
Clarice acordou com o barulho e foi até à cozinha saber o que estava acontecendo.
- Que barulho foi esse mãe? Me acordou.
- Não é nada menina, só deixei cair uns pratos no chão, volte a dormir.
Clarice deu as costas e voltou para seu quarto.
- Espero que teu pai não demore, estou com medo que aconteça mais alguma coisa.
Antônio chegou até na igreja e bateu na porta, alguns segundos depois uma mulher vestida de freira abre a porta.
- Bom dia irmão, Padre Tomas se encontra?
- Sim está, quem é o senhor? Perguntou.
- Me chamo Antônio e me mudei para aquela casa branca logo ali.
- Então você é o marido daquela mulher que visitei essa manhã? Sua mulher não é muito educada, praticamente me expulsou de lá e não deu ouvidos ao que falei.
- Peço desculpas pela minha mulher, não vai acontecer de novo, prometo.
- Espere um momento que vou chamar o padre, pode entrar e se sentar.
- Obrigado irmã.
Padre Tomas era um senhor de idade, sofria de uma doença chamada artrite e tinha dores horríveis nas mãos fazendo com que ficasse de cama por dias, vivia a base de remédios e chás medicinais, quando se apresentou para Antônio parecia outro homem, bem disposto e de fala mansa, foi logo dando boas vindas ao novo vizinho.
- Seja bem vindo à casa de Deus, em que posso ajudá-lo senhor? Me chamo Tomas.
- Meu nome é Antônio, sou seu novo vizinho.
- Você está morando na casa que foi da família Mendes? Hum, não tenho boas recordações daquela casa.
- O senhor já esteve na minha casa? Perguntou Antônio.
- Sim, foi há muito tempo atrás e não foi uma boa experiência na verdade.
Pensou um pouco.
- aquela casa tem vida própria e nela existe um mal que não consegui combater no passado.
- O que aconteceu com a família que morou lá? Perguntou Antônio.
- Eles foram embora devido ao perigo que lá existe e a casa ficou fechada por muitos anos.
- Eu vim aqui hoje padre por causa de minha mulher, ela acha que está vendo coisas, o senhor sabe como são as mulheres padre, quando colocam algo na cabeça é difícil tirar, ela me pediu para falar com o senhor, na verdade pediu para o senhor ir até lá benzer a casa, é possível o senhor ir comigo agora se não for incomodar.
- Na verdade eu não gostaria de voltar mais lá, o senhor tem filhos?
- Sim tenho três, duas meninas e um menino.
- Então tire eles de lá, enquanto é tempo, disse Padre Tomas.
- Mas eu não posso padre, acabei de me mudar, todas minhas economias estão naquela casa.
- Em nome de suas crianças eu vou até lá com você, só espere um pouco que vou pegar minha bíblia.
Os dois saíram em direção a casa, mas Padre Tomas parecia desconfortável com a situação, o medo de voltar aquela casa se tornava maior à medida que chegavam perto.
- Chegamos padre pode entrar, seja bem vindo, disse Antônio.
Ele ficou parado em frente à porta por um segundo, fez o sinal da cruz e entrou.
- Maria o Padre Tomas está aqui, venha comprimentá-lo.
Maria entrou na sala sorrindo, estava bem feliz em ver o Padre Tomas.
- Graças a Deus que você veio padre, muito prazer, sou Maria.
- Muito prazer senhora, seu marido me explicou a situação.
Quando iria terminar a frase começou a tossir sem parar.
- Quer um copo de água padre? Você está se sentindo bem? Perguntou Maria.
Padre Tomas fez sinal positivo com a mão e em seguida pediu um copo de água.
- Está aqui padre, beba tudo e quem sabe se sinta melhor.
- Estou melhor obrigado, onde estão as crianças? Perguntou.
- Isabel, a mais velha está na cozinha, e os menores ainda estão dormindo.
- O senhor quer dar uma olhada na cozinha padre? Perguntou Antônio.
- Foi onde aconteceram os incidentes?
- Sim, foi padre e começou na mesma hora que uma freira bateu a minha porta, acho que o senhor a conhece, a irmã Rose.
- Sim, ela faz parte de minha igreja, eu que a mandei mais cedo dar as boas vindas porque não queria vir pessoalmente, mas agora estou aqui, me mostre a cozinha, por favor.
- Claro padre é por aqui.
Quando se aproximou da cozinha Padre Tomas sentiu um leve aperto no peito, segurou sua bíblia com força e começou a rezar baixinho, Maria ficou olhando para Antônio sem entender nada.
- Pronto! Podemos prosseguir, essa moça bonita é sua filha? Perguntou
- Sim, essa é Isabel a mais velha dos três.
- Muito prazer moça, sou o Padre Tomas.
- Muito prazer em conhecê-lo padre, seja bem vindo.
- Me diga senhora Maria, o que de fato aconteceu aqui.
- Eu estava arrumando tudo, quando um dos pratos caiu da mesa, não dei muita bola, pois isso acontece, mas quando Isabel veio me ajudar foi que tudo aconteceu de verdade.
- E o que aconteceu? Explique-me melhor.
- Um dos pratos foi atirado na parede, ele sai voando sozinho e depois os talheres da mesa ficaram em pé e alguns foram arremessados no meu armário, veja as marcas padre.
- Sim, estou vendo, ninguém se feriu na hora? Perguntou.
- Quase que eles atingiram Isabel, mas ela se afastou antes de acontecer, Antônio não acredita em mim, acha que estou inventando tudo, mas Isabel é prova viva de tudo que aconteceu.
- Acredite meu amigo, existem muito mais coisas por aí do que você pode imaginar, e o mal está sempre nas sombras esperando uma oportunidade de despertar, sou prova viva disso que estou falando, confie em mim.
- Não estou dizendo que não acredito padre, só não estava aqui na hora que aconteceu e sempre fui muito fiel a Deus, mas acredito no que vejo e no que posso tocar, se é que me entende.
- Viu padre? É exatamente o que lhe falei, ele duvida de tudo.
- Eu entendo você Antônio, Deus nos testa de maneiras diferentes e você vai saber na hora certa, agora preciso de uma pouco de silêncio, vou andar pela casa e benzê-la.
Padre Tomas começou a andar pela casa fazendo uma pequena oração e atirando água benta onde passava.
- Que Deus proteja essa família e que nenhum mal chegue até eles, em nome do pai do filho e do espírito santo, amém. Algum de vocês dormem lá em cima? Perguntou, apontando para o sótão.
- Sim, padre, é o quarto de Isabel, disse Maria.
- Eu vou subir, mas vocês podem ficar aqui se quiserem.
- Eu vou com você padre, é o meu quarto, disse Isabel.
- Tenha cuidado Isabel, disse Maria.
Enquanto subia a pequena escada Padre Tomas começou a sentir o mesmo aperto no peito de quando estava na cozinha.
- Isabel aquela mancha no teto já estava aqui quando vocês chegaram? Perguntou o padre.
- Sim padre já estava aqui, papai acha que é algum tipo de mofo.
- Eu já vi isso antes e não é nada bom, segure minha bíblia por um segundo.
Começou a jogar água benta em direção à mancha, começaram a sair bolhas junto a uma pequena fumaça escura, quanto mais jogava e dizia sua oração mais bolhas se formavam, um som veio da janela que assustou a ambos, quando olharam em sua direção ficaram chocados, a janela estava escura tomada por moscas. Padre Tomas foi em direção a ela e jogou um pouco de água benta, as moscas começaram a voar para cima dele sem parar, Isabel saiu correndo e Padre Tomas se debatia para se livras delas, enquanto dizia sua oração, até que depois de alguns segundos elas sumiram. Maria e Antônio subiram a escada correndo.
- O que aconteceu padre? Perguntou Maria.
- Eles tentaram me assustar, não me querem aqui, mas não temo o mal e sim a Deus, eu preciso ir, mas vou voltar com uma amiga que é médium, assim que eu falar com ela aviso vocês, vou precisar de toda ajuda possível, eles estão mais fortes agora, se alimentam do nosso medo e querem fazer mal a vocês.
- Eles quem padre? Existe alguém nessa casa que não deveria estar aqui? Perguntou Maria.
- Preciso ir senhora, quando voltar aqui com minha amiga explico melhor a situação, enquanto isso rezem bastante e cuidem das crianças, passar bem, Padre Tomas desceu as escadas e se despediu de Isabel, mas antes de sair deu mais uma olhada para trás e fez o sinal da cruz.
O homem de terno
Naquela noite todos fizeram uma oração antes de dormir, Maria estava muito preocupada com as crianças, não sabia o que poderia acontecer depois do que o Padre Tomas lhe disse, foi até o quarto de Isabel e pediu que ela ficasse atenta a qualquer acontecimento estranho, e que se pudesse antes de dormir desse uma olhada em seus irmãos. Isabel concordou com sua mãe e se despediu com um beijo de boa noite.
Já passava das três horas da manhã, quando Clarice despertou assustada, tinha tido um pesadelo com um homem velho usando terno, sua respiração estava ofegante e seus corpo parecia paralisado, não conseguia se mover apenas mexer com os olhos, a porta de seu quarto estava aberta e quando olhou em direção a ela viu o mesmo homem dos sonhos, estava parado diante da porta olhando em direção a ela, vestia um terno e chapéu, em sua mão direita carregava uma bengala, ele apontou em direção a Clarice e começou a chamá-la:
- Clarice venha comigo menina, vou te levar a um lugar seguro.
Fazia gestos com a mão em direção a ela como se fosse para segurar sua mão. Clarice tentava gritar, mas o som não saia, então fechou os olhos e começou a rezar e pedir para que ele sumisse dali. Quando abriu os olhos o homem misterioso estava ao lado de sua cama, seus olhos arregalaram e não conseguia mais fechá-los, pode ver bem o rosto do homem, era bem velho e tinha a pele bem pálida como se estivesse morto, quando sorriu para ela mostrou seus dentes escuros e apodrecidos, vinha um cheiro de morte quando começou a falar, escorria lágrimas dos olhos de Clarice, mas não podia fechá-los, o homem começou a falar e gesticular com as mãos.
- Clarice minha menina preciso que venha comigo, vou te levar a um lugar muito bonito e lá você estará segura, mas você precisa querer e não demore, pois eles virão atrás de você, sua alma é especial e eles querem provar dela. Clarice fez força além do normal e pediu a Deus em seu pensamento que lhe ajudasse, então conseguiu se mexer soltando um grito de socorro chamando pela mãe. Maria que dormia no quarto ao lado entrou correndo e acendeu a luz, ao ver Clarice encolhida na cama e chorando a abraçou imediatamente, Antônio apareceu logo em seguida com uma cara de espanto.
- O que aconteceu filha, você teve um pesadelo?
- Não mãe tinha um homem aqui no quarto.
- Que homem, para onde ele foi guria? Perguntou Antônio.
- Era um homem velho e pálido, queria me levar junto com ele.
- Levar para onde guria, como era esse homem? Perguntou Maria.
- Usava terno e chapéu, tinha uma bengala em uma de suas mãos.
Maria olhou para Antônio e fez uma cara de quem conhecia esse homem, os dois se olharam por um segundo e então pediu que Clarice fosse dormir essa noite com sua irmã Isabel. Maria colocou Clarice para dormir no chão ao lado de Isabel, pediu que ela rezasse antes de dormir e tivesse fé. que nada iria acontecer com ela.
De volta a seu quarto ficou pensativa a respeito do tal homem, só então começou a falar com Antônio sobre o ocorrido.
- Aquele homem que Clarice descreveu era igualzinho ao meu pai Antônio, ele não viria até aqui assustar sua neta você não acha?
- E se for algum desses espíritos que o Padre Tomas falou se disfarçando para chegar até ela?
- Você tem razão, pode ser que seja mesmo, coitada da guria estava apavorada quando entrei no quarto.
- Eu não acredito que depois de lutar tanto para ter essa casa vamos ter que passar por isso, só o que me faltava comprar uma casa mal assombrada.
Antônio começou a rir de si mesmo.
No decorrer da noite nada aconteceu, mas não iria durar muito tempo o sossego da família.
Isabel acordou lá pelas cinco e meia da manhã, estava com uma sensação ruim e um aperto no peito, sentia que alguém a estava observando. Sentou na cama e olhou para o teto que parecia se mexer; onde estava a mancha preta. De repente algo a puxou para trás e segurou seus braços para cima apertando contra a cabeceira da cama. Não conseguia se mexer e ficou sem voz, apenas conseguia observar que algo descia do teto em sua direção. Uma sombra escura que à medida que se aproximava criava forma, quando chegou na beira da cama algo começou a se mexer e mãos surgiram como se arrastassem pela cama em sua direção, uma figura magra e de pele branca começou a chegar perto de Isabel, montou sobre ela e começou a cheirar seu corpo como se procurasse por algo, foi então que encarou Isabel bem de perto, tinha cabelo preto e olhos amarelos, um nariz fino e comprido, passava a língua entre seus dentes pontiagudos e babava pelo canto da boca, Isabel começou a chorar, mas o som não saia, apenas lágrima escorriam em seu rosto, então a criatura começou a lamber seu rosto deixando um líquido pegajoso e amarelado, mas parou em seguida, quando notou que Clarice estava no chão ao lado. Quando a criatura foi em direção a Clarice, o homem de terno apareceu novamente e disse algo que a afastou para a escuridão.
- Deixe a menina em paz criatura sem nome, ela me pertence e não pode ser tocada por mais ninguém, vá agora e nunca mais chegue perto dela. Isabel estava em choque, não acreditava no que estava acontecendo, parecia estar em um pesadelo acordada. O homem olhou em direção a Isabel e tirou seu chapéu como se a cumprimentasse, virou se de costas e sumiu. Isabel foi até Clarice que ainda dormia sem saber de nada, deitou no chão ao seu lado e a abraçou.
- Não vou deixar que nada aconteça a você eu prometo, disse baixinho.
No restante da noite nada aconteceu, todos conseguiram dormir em paz.
Na manhã seguinte Maria foi a primeira a acordar, estava na cozinha preparando o café e guardando algumas peças de louça, que ainda estavam nas caixas, quando escutou alguém batendo na porta.
- Meu Deus de novo a essa hora, será possível!
Abriu a porta e ficou surpresa ao ver Rose, a freira, a mesma freira que esteve em sua casa no dia dos acontecimentos.
- Bom dia irmã, em que posso ajudá-la? Perguntou Maria.
- Bom dia, eu vim a mando do Padre Tomas, ele pediu para avisar que virá amanhã com sua amiga vidente na parte da tarde.
- Que bom saber disso! Quer entrar um pouco e tomar um café? Perguntou.
- Não senhora, não gosto de ficar muito tempo nessa casa, mas obrigado e tenha um bom dia. Se despediu e foi embora.
Maria ficou olhando por um segundo para ela e pensou:
- ô mulher esquisita, chega dar medo às vezes.
Quando voltou para cozinha encontrou Antônio tomando uma xícara de café.
- Bom dia querido, dormiu bem?
- Muito bem, apesar dos acontecimentos da noite passada.
- Eu estava falando com a freira Rose agora a pouco, Padre Tomas vem amanhã com a vidente na parte da tarde.
- E o que você acha que vai acontecer, eles vão conseguir nos ajudar?
- Não sei querido, mas temos que ter fé, ainda estou preocupada com Clarice e aquele homem que se parece com papai, não entendo por que ele foi visitar somente ela.
- Vai ver ele quer protegê-la de algo. Isabel entrou pela cozinha reclamando da noite anterior e relatou o acontecimento em seu quarto.
- Bom dia, tive uma noite terrível estou cheia de dores pelo corpo.
- Por que Isabel? Perguntou a mãe.
- Alguma coisa me atacou ontem à noite e queria pegar a Clarice, mas um homem de terno o expulsou do quarto.
- Meu Deus como era esse homem? Perguntou Maria.
- Não lembro direito, estava escuro, parecia velho pela voz e vestia terno e um chapéu, ah, também tinha uma bengala.
- O que ele lhe disse Isabel?
- Para mim nada, foi para aquela coisa horrível que estava lá, depois ele me cumprimentou tirando o chapéu e foi embora, mãe não quero mais ficar nessa casa.
- Não podemos ir embora agora Isabel, gastei minhas economias nessa casa, não vou deixar que nada ou ninguém nos expulse daqui, disse Antônio.
- Fica tranquila Isabel, o padre vem amanhã com uma médium e tudo ficará bem.
- Eu espero que sim mãe, porque não aguento mais isso, tive que dormir no chão com Clarice para protegê-la e estou toda moída.
- Vai ficar tudo bem guria, não se preocupe, vou continuar a arrumar a garagem e qualquer problema grita mulher.
- Está bem homem, te chamo se precisar.
O dia passou sem maiores problemas, só faltavam alguns detalhes para terminar de arrumar a casa, Antônio tinha terminado a garagem e faltava só arrumar alguns enfeites e quadros na parede.
Maria chamou Isabel na cozinha para ver a mancha no teto, que segundo ela estava ficando maior, temia por algo pior nas próximas horas.
- Isabel olha aqui e me diz se essa mancha não aumentou?
- Parece que sim mãe e a do meu quarto também, foi de onde aquela coisa horrível saiu ontem à noite.
- Meu Deus Isabel e se voltar hoje à noite? Quem sabe tu dormes com teus irmãos no mesmo quarto, pode ser no quarto do Pedro, que tu acha?
- Acho melhor mãe, é perto do de vocês e qualquer coisa a gente corre pra lá.
Clarice e Pedro passaram o dia em seus quartos brincando e mexendo no celular.
Antônio passou no mercado e comprou pizza congelada para o jantar, queria dar uma folga à esposa na cozinha.
- Vamos comer gente antes que a pizza esfrie, tem de calabresa e quatro queijos.
- Eu quero todos os sabores, disse Pedro.
- Mãe, o que tu acha de a gente ter um cachorro aqui em casa? Disse Clarice.
- Por enquanto não, espera a gente se ajeitar e resolver tudo, aí eu penso a respeito.
- Pode ser um gato também, disse Pedro.
- Não gosto de gatos, solta muito pelo, disse Isabel.
-Isso não é importante agora e tu sabes bem do que estou falando né Maria? Indagou Antônio.
-Eu sei homem, vamos comer e dormir cedo, que amanhã Padre Tomas vem nos visitar.
Isabel fez uma cama no chão para ela e Clarice dormirem, enquanto Pedro ficou em sua cama, queria deixar uma luz acesa, mas Isabel não conseguia dormir com luz, então resolveu pegar um abajur e colocar do outro lado de sua cama, assim o quarto não ficaria tão claro.
Já passava das três e todos dormiam sem problemas, mas Pedro começou a ter pesadelos e se debater na cama, até que despertou e notou que o abajur estava desligado, quando se virou para acender deu de cara com o mesmo espírito que visitou Isabel na noite anterior, estava ao lado de sua cama e o encarava com um sorriso no rosto. Pedro deu um grito e todos acordaram na mesma hora. Isabel correu até à porta e acendeu a luz, Maria e Antônio entraram correndo no quarto apavorados.
- O que aconteceu com vocês? Ouvimos um grito, disse Maria.
- Foi o Pedro mãe, acho que teve um pesadelo, disse Isabel.
- Não foi pesadelo mãe, tinha uma coisa do lado da minha cama me encarando, o abajur desligou e fui ligar e ele estava lá me olhando.
- Meu Deus Antônio, eu não aguento mais isso!
- Vamos todo mundo para meu quarto, peguem as cobertas e vamos.
Todos dormiram no mesmo quarto naquela noite, alguns barulhos foram ouvidos vindo do sótão, mas nada apareceu para eles.
A médium- Final
Padre Tomas chegou com sua amiga médium exatamente às cinco horas da tarde, não conseguiu vir antes devido a um problema na igreja. Vera era o nome de sua amiga, uma senhora de sessenta anos, mas que não aparentava a idade, usava colares e brincos extravagantes e carregava um pequeno terço em suas mãos.
- Boa tarde dona Maria, desculpe não vir antes, pois tive um pequeno problema de vazamento na igreja, essa é minha amiga Vera e veio para ajudar.
- Seja bem vinda Vera, vamos entrando.
Quando entrou Vera sentiu algo e colocou a mão em um de seus colares e beijou seu terço, o padre olhou para ela e fez o sinal da cruz.
- Essa casa está bem carregada, posso sentir, mas algo me diz que a fonte está em um lugar mais alto.
- Vocês tem um sótão? Perguntou.
- Sim temos é onde fica o quarto da Isabel.
- Eu já estive lá Vera e não consegui ficar por muito tempo, tem um grande mal escondido por lá.
- Chame todos aqui Maria, preciso falar com eles antes de prosseguir.
Maria chamou todos na sala e Vera começou a explicar o que iria fazer e como todos deveriam se comportar.
- Com a ajuda do Padre Tomas eu tentarei expulsar esses espíritos que habitam a casa de vocês, mas preciso que façam tudo que eu mandar, todos deem as mãos e não soltem.
Todos concordaram e deram suas mãos em forma de corrente, enquanto Vera começava a dizer palavras em latim, Padre Tomas jogava água benta em todos os cantos, barulhos foram ouvidos lá de cima, como se alguém estivesse bravo e batesse nas paredes. As portas e janelas se fecharam sozinhas e a casa ficou mais escura, passos foram ouvidos vindos da escada, que dava para o sótão, Vera dizia para não soltarem as mãos não importava o que acontecesse.
Um homem começou a descer as escadas lentamente, era o mesmo que já tinha sido visto na casa, parou no último degrau e encarou a todos. Vera gritou em sua direção perguntando seu nome e o que queria com a família, então ele respondeu.
-Não tenho nome, me chame do que você quiser, não quero nada com a família, apenas a garota me interessa.
- O que você quer com a menina? Ela é uma criança.
Clarice estava quase chorando.
- Sua alma é pura e especial, ela tem um dom que pode me libertar dessa casa, outros também a querem, mas só eu posso possuí-la.
- Vá embora em nome de Deus, você não pertence a esse lugar criatura.
O nariz de Vera começou a sangrar, mas ela não parou de dizer as palavras em latim.
- Seu Deus não pode te proteger aqui dentro, esse lugar me pertence e aqui eu faço as regras.
Padre Tomas tentou jogar água benta, mas foi atirado contra a parede por uma força invisível.
- Não soltem as mãos, gritou Vera, rezem com fé e peçam a Deus que nos ajudem.
O teto começou a ficar escuro e dele saíram sombras que rodeavam a família, fechem os olhos e não soltem as mãos por nada desse mundo.
- Viu agora sua tola? Não sou apenas eu que quero a menina, se você não me der ela, todos irão morrer.
- Nunca, prefiro morrer do que você levá-la, acorde padre preciso de sua ajuda, gritou Vera.
Padre Tomas aos poucos começou a recobrar a consciência, tentou alcançar sua bíblia que estava caída no chão, mas o homem com um gesto de mão a jogou longe. Foi então que Clarice gritou para Vera soltando-se das mãos de sua família.
- O que você esta fazendo Clarice? Volte para lá.
- Não, eu sei como detê-lo e preciso fazer isso sozinha, me deixe ir com ele.
- Não faça isso filha, gritou Maria.
- Não se preocupe mãe, vou ficar bem.
Clarice foi em direção ao homem e pegou em sua mão, os dois subiram as escadas em direção ao sótão.
Maria chorava desesperada, mas Vera a acalmou.
- Fique tranquila que sua filha vai voltar, ela é muito poderosa, eu senti, somente ela pode acabar com tudo isso, continuem de mãos dadas e vamos todos rezar.
As sombras também foram em direção ao sótão.
Quando chegaram lá o homem olhou para Clarice e disse:
- Agora você vai ficar comigo até que me mostre como sair dessa casa, mas vou precisar de um corpo para habitar e seu pai é a melhor opção.
- Nunca vou deixar que machuque minha família.
Clarice colocou a mão no peito do homem, que começou a se debater fazendo com que ele caísse de joelhos, soltando sua bengala, em seguida começou a se contorcer até sumir como uma mancha preta no chão, as sombras também desapareceram e a mancha no teto sumiu. As janelas e portas se abriram e a luz voltou a entrar, na casa.
Maria correu em direção a Clarice e a abraçou.
- Acabou mãe, ele foi embora e não vai voltar.
- Como você fez isso menina?
- Eu sempre fui assim mãe, só tinha medo de contar.
As duas desceram e todos se abraçaram. Vera estava sorrindo junto com Padre Tomas e então falou:
- Eu sabia que você era especial Clarice, nunca deixe de acreditar em você e na sua força interior, você é uma médium poderosa e ainda vai ajudar muita gente.
- Obrigado por tudo Vera, disse Maria.
Todos se despediram com promessas de uma reunião de agradecimento aos dois, Vera antes de ir deu um de seus colares para Clarice e disse para ela sempre usá-lo e acreditar na sua força.
Padre Tomas pediu que todos começassem a frequentar sua igreja e quando precisassem de algo suas portas estariam sempre abertas. Os próximos dias foram de paz e tranquilidade para a família Santos, a casa agora tinha uma vibração boa e todos podiam chamar de lar.
Fim
0 Comentários
POEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!