Entrevista
com uma das mais promissoras poetisas da atualidade: Nilza Murakawa.
Ela nasceu em São Paulo, em 1962. É
formada em Letras pela FMU, professora de Língua Portuguesa e Inglesa, artista
plástica, poetisa e amante da fotografia.
Faz parte
de grupos poéticos dos mais diversos e é colunista do Portal Poemas à Flor da
Pele. Seus versos são ouvidos em rádios e lidos em muitas antologias
brasileiras, revistas e jornais.
Em 2013,
recebeu dois prêmios com os poemas “ACINTE” e “AO TEU GOSTO” no Concurso
Celebração 100 anos do “Poetinha”, homenagem a Vinícius de Moraes, promovido
também pelo grupo Poemas à Flor da Pele.
(POEMAS) 1 - Quando descobriu sua veia poética?
Nilza Murakawa: Desde muito cedo, eu já gostava de
escrever. Bilhetinhos de amor bem
elaborados (risos), longos textos na escola, poeminhas em cartões de
aniversários, etc.
Sempre
gostei do cheiro de caderno novo, pronto para ser usado e o folhear incansável de
páginas de livros, sempre muito atenta e curiosa. Conheci grandes obras através,
principalmente, de meus professores e tomei gosto pelas literaturas. Lembro-me de
que, em uma das aulas de Redação, a professora nos pediu para fazermos um texto
descrevendo um objeto, porém, sem mencionarmos seu nome. Escrevi-o em forma de
poema e o mesmo (para minha surpresa) foi selecionado para ser lido perante a
classe. Sempre muito incentivada, prossegui também nesta arte.
(POEMAS) 2 – O que é para você o ato de criar e
em que momentos a inspiração chega? O que, na verdade, inspira-a?
Nilza Murakawa:
Fazer
poesia também é um dos recursos de busca interior, resgate de coisas
esquecidas, adormecidas ou que, na verdade, nunca existiram até o instante da
criação. Não há momentos certos, com
hora e lugar marcados. A poesia nos pega de jeito, muitas vezes, em situações
inusitadas e é por isso que, onde quer que eu esteja, carrego sempre papel e
caneta. O que me inspira? A vida! A vida com todos seus detalhes visíveis ou
não, belos ou não tão belos assim. O cair da chuva, a leveza de uma folha
morta, lágrimas de alegria e pranto, raios de sol tingindo cabelos, os
silêncios, ...
(POEMAS) 3 - Quais, entre suas obras, os três
poemas que escreveu e que a deixam realizada por ter escrito?
Nilza Murakawa:
AO TEU GOSTO
Só
para deixar-te louco
Fui
as outras, fui aquelas
Todas
elas
Fui
teu bem, teu mal-me-quer
Maria-sem-vergonha,
camélia
Dama
da tua noite
Tua
moça casta, quase Amélia
Fui
Bahia de todas tuas santas
Pimenta
do teu gosto dendê
Fui
teu prato quente
E
teu crème brûlée
De
salto alto, vestido colado
Fui
serpente rasteira do teu cabaré
Fui
balanço do teu samba
Batuque
do teu candomblé
Égua
de tuas milhas e quarto
Cria-dos-mudos
versos teus
Teu
tapete veludo de quatro
Fui
segredo de tuas gavetas
Só
para deixar-te louco
Em
tua cena, mais uma vez, entrei
Feito
borboleta madura
Voei
sobre tuas partituras
Por
entre as tuas pernas, pousei...
Dancei
em teu trote de cavalo doido
Despi-me
do trêmulo cetim
Provei
do teu gosto particular
Senti
a loucura do teu poema rabiscado em mim
E
levado com teu morno mar...
Tantas
vezes me esculpiste Vênus
Tal
qual tua caneta, deitaste-me sobre a mesa
Molhando-me
as partes acesas
Com
tuas gotas musicais
Como
chuva mansa, de tantos carnavais
Ainda
ficou o rastro do teu uísque e fumaça
Em
minhas cortinas e plumas
Ainda
ficou o teu beijo
Em
minhas espumas...
Pela
casa, ainda ficou aquele teu incenso de rosa oriental
Nos
meus cabelos, ainda um pouco do teu sal
Tua
sombra em minhas paredes íntimas
Em
minhas areias brancas, as tuas pegadas...
Ah,
que saudade da verde luz dos olhos teus
Pela
lira de Orfeu escorrendo
E
pousando nos meus...
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CORTINA I
Às
vezes, dengosa
Deixa-se
tocar pelo morno vento
Muito
curiosa
Com
seu bailado lento
Espia
lá e cá
Ora
mundo azul, ora paredes grenás
Ora
pessoas estranhas
Ora
peles, mãos e manhas
Em
moles movimentos
Alisa
o móvel delicadamente
Derruba,
distraidamente
Do
vaso, algumas pétalas
Sobre
a página aberta
De
um poema inacabado
Sensível
e paciente
Resguarda
da luz fielmente
Olhos
insistentes
Que
ainda não querem acordar
Estremece-se
ao som
Da
fúria do bater de portas
Fecha-se
em suas tramas
E
não revela segredo algum
Outras
vezes, tão preguiçosa
Sequer
sacode o inseto
Que,
furtivamente
Passeia
dentro
De
suas pregas rosas
Gatos
de unhas finas
Balançam-se
nesta cortina
E
borboletas com asas de cristal
Em
fila vertical
Voam
sempre no mesmo lugar
De
sentinela
Fica
na janela
Como
escudo
Para
possíveis estilhaços
Cautelosa
Permite
ao sol, ao raiar
Apenas
seus pequenos traços
Sobre
aquele poema
Ainda
por terminar
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MEU
DESERTO, MINHA BUSCA
Esvazio-me das certezas
Caminho pelo meu deserto
E meus pés estranham a
areia grossa
Viro-me do avesso
Vasculho-me
Boca seca
Sonhos pêndulos
Em um coração ainda quente
Atravesso sozinho
Este árido manto
De grãos e pensamentos
soltos
E minhas verdades
escorrem...
Bebo minhas lágrimas
Como se fossem anestésico
Não. Ainda não estou
pronto
Caminho mais um pouco...
Meus passos em brasa
Procuram respostas
De minhas vozes
silenciosas
Talvez esta viagem
Não tenha destino certo
Talvez eu tenha que me
desfazer
De mais um pouco de
bagagem
Seguirei a partir daqui
Farei pequenas
paradas
Refrescar-me-ei pelo meio
do caminho
E, depois, provarei sem
pressa
O doce sal de outra
língua.
(POEMAS) 4 – Quais os poetas e obras que leu e
que são sua referência?
Nilza Murakawa: Na verdade, minha poesia não segue
um modelo, um estilo definido pois gosto desta liberdade a que me propus para
escrever. Entre tantos que li, destacarei três dos meus favoritos:
Carlos Drummond de Andrade: Antologia Poética
Fernando Pessoa: Livro do Desassossego (semi-heterônimo
Bernardo Soares), poemas: Alberto Caeiro/Álvaro de Campos
Mário Quintana: Esconderijos do Tempo – Poesia Completa
(POEMAS) 5 – Escolha um poema que admira destes
autores e coloque aqui para que possamos apreciar.
Nilza Murakawa:
CASA ARRUMADA (Carlos Drummond de Andrade)
Casa
arrumada é assim:
Um
lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada
de luz.
Mas
casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário
de novela.
Tem
gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis,
afofando as almofadas...
Não,
eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui
tem vida...
Casa
com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os
enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa
com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas,
que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá
sem mancha?
Tapete
sem fio puxado?
Mesa
sem marca de copo?
Tá na
cara que é casa sem festa.
E se o
piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa
com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem
gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte
e vela de aniversário, tudo junto...
Casa
com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que
está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos,
pros vizinhos...
E nos
quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou
namora a qualquer hora do dia.
Casa
com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume
a sua casa todos os dias...
Mas
arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E
reconhecer nela o seu lugar.
Nilza Murakawa:
Expor
trabalhos na internet sempre é “uma faca de dois gumes”. Divulgação e notoriedade; em contrapartida, desrespeito
aos direitos autorais e posse ilegal.
Usar as
facilidades tecnológicas para a criação, corre-se, às vezes, também o risco de
se esquecer da essência, da alma.
(POEMAS) 7 – O que você diria para um poeta que
está iniciando sua vida literária?
Nilza Murakawa: Leia, poeta! Leia muito! Leia tudo!
E releia muitas vezes o que escreve. Bons conhecimentos de gramática e de
vocabulário são peças importantes. Não se prenda a teorias. Conheça-as. Não valorize mais a estética, as rimas do que
a mensagem. Seja atento, curioso, observador pois a vida, todos os dias,
oferece-nos inúmeras inspirações.
(POEMAS) 8 – Fale de seu lançamento “PÁSSAROS NA GARGANTA”, que reúne
versos dos mais bonitos, e como surgiu a ideia de torná-lo realidade?
Nilza Murakawa:
(Obrigada,
Poemas À Flor da Pele pelo elogio! )
Bem...
(pausa e risos) Tive uma filha, plantei diversas árvores e, então, já estava na
hora de reunir meus quase 150 poemas, fazer uma seleção cuidadosa e coloca-la
em um livro.
“PÁSSAROS
NA GARGANTA” é um presente para mim e para tantos amigos que têm me incentivado
ao longo destes últimos anos. Enfim, mais um sonho sonhado (desculpe-me pelo
pleonasmo), planejado e executado.
E, aqui,
não posso deixar de agradecer à Soninha Porto, Editora Somar, Gilberto, Gráfica
Pallotti, Dado Carvalho e Rodrigo Moura, os quais trabalharam brilhantemente
para a realização deste meu sonho. Muito obrigada a todos!
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SEJAM BEM-VINDOS!