MIA COUTO
Nascido em Beira, Sofala,
Moçambique, no dia cinco de Julho de 1955, António Emílio Leite Couto (Mia
Couto) tem sua primeira formação académica em Biologia. Fez os
estudossecundários na Beira e frequentou, de 1971 a 1974, o curso de Medicina
em Lourenço Marques (actualmente, Maputo), onde se vivia um ambiente racista
muito vincado. Por esta altura, oregime exercia grande pressão sobre os
estudantes universitários. O conjunto destas circunstâncias leva-o a colaborar
com a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), partido marcadopela luta
pela independência de Moçambique de Portugal.
Após a Independência Nacional,
em 1975, ingressou na actividade jornalística, dirigindo três veículos de
comunicação: Agência de Informação de Moçambique (1976 a 1979), Revista
Tempo(1979 a 1981) e Jornal Noticias (1981 a 1985). Abandonou a carreira jornalística
voltando a ingressar na Universidade para, em 1989, terminar o curso de
Biologia, especializando-se na área deEcologia. A partir daí mantém colaboração
dispersa com jornais, cadeias de Rádio e Televisão, dentro e fora de
Moçambique. Hoje realiza a sua profissão como biólogo na área de estudos deimpacto ambiental.
Mia Couto é hoje o autor
moçambicano mais traduzido e divulgado no estrangeiro e um dos autores
estrangeiros mais vendidos em Portugal (num total de mais de 400 mil
exemplares). Colabora desde há primeira hora com o grupo teatral da capital de
Moçambique “ Mutumbela Gogo ” e escreveu (ou adaptou) diversos textos que foram
representados por este grupo deteatro. Livros seus (como a Varanda do
Franjipani e contos extraídos de Cada Homem é uma raça ) foram adaptados para
teatro em Moçambique, Portugal e Brasil. Em finais de dezembro de 1979, no
Casale Garibaldi, de Roma, representou-se a peça “A princesa russa”, adaptação
para palco do conto com o mesmo título, incluído em “ Cada homem é uma raça”.
Quatro poemas de Mia Couto
O BAIRRO DA MINHA INFÂNCIA
Não são as criaturas que morrem.
É o inverso:
só morrem as coisas.
As criaturas não morrem
porque a si mesmas se fazem.
E quem de si nasce
à eternidade se condena.
Uma poeira de túmulo
me sufoca o passado
sempre que visito o meu velho bairro.
A casa morreu
no lugar onde nasci:
a minha infância
não tem mais onde dormir.
Mas eis que,
de um qualquer pátio,
me chegam silvestres risos
de meninos brincando.
Riem e soletram
as mesmas folias
com que já fui soberano
de castelos e quimeras.
Volto a tocar a parede fria
e sinto em mim o pulso
de quem para sempre vive.
A morte
é o impossível abraço da água.
***
FRUTOS
A bondade da mangueira
não é o fruto.
É a sombra.
A térrea,
quotidiana,
abnegada sombra:
no inverso do suor colhida,
no avesso da mão guardada.
Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.
Assim, o amor e a paixão:
um, fruto; outro, sombra.
A suave e cruel mordedura
do fruto em tua boca:
mais do que entrar em ti
eu quero ser tu.
O que em mim espanta:
não a obra do tempo
mas a viagem do Sol na seiva da árvore
A arte da mangueira
é a veste de sombra
embrulhando o seu ventre solar.
Para o homem
vale a polpa.
Para a terra
só a semente conta.
***
NÚMEROS
Desiguais as contas:
para cada anjo, dois demónios.
Para um só Sol, quatro Luas.
Para a tua boca, todas as vidas.
Dar vida aos mortos
é obra para infinitos deuses.
Ressuscitar um vivo:
um só amor cumpre o milagre.
***
TRISTEZA
A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.
A minha tristeza
é a do astrónomo cego.
[in Tradutor de Chuvas, Caminho, 2011]
0 Comentários
POEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!