ESCRAVIDÃO

ESCRAVIDÃO
(Aos meus ancestrais)
Marcia Mendes

"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!"
(Castro Alves, Navio Negreiro)


Vozes gravadas nas paredes,
Murmúrios deixados nas pedras,
Espectros embrutecidos
Rondando as plantações.

Marcas de água na velha jaqueira
De tantos  prantos em sua sombra chorados.
Dores que vinham com o vento
Para que a chuva as lavasse.

Dos reinos de terras distantes
Atravessaram o mar que os separava.
Acossados em suas desgraças
Presos aos grilhões de ferro, arrastados,
Foram as trinta e seis chibatadas,
Secadas com sal ao sol.

Ah desconhecido mundo novo,
De belas paisagens selvagens...
Se teus mares são calmos e verdes
Tua terra provou tanto sangue!

Brasil de peles morenas,
Que desbravadores imprimiram em teus paraísos
As dores do inferno de Dante?
Tuas montanhas se inclinaram
Ante os gritos dos condenados .
Do alto de teus  picos
Ainda ecoam tantos  lamentos...
Ouço.

No recôndito de teus vales
Onde botas pesadas caçavam pés descalços
A esperança soava longe,
Pois a canção era o réquiem das correntes.
Lágrimas deixadas com tanta dor
Engrossaram as nascentes dos teus rios.

Os ventos sopram memórias
Num culto cambaleante,
Como um soco no estômago,
Trazem de volta os lamentos
de crianças, homens e mulheres,
Dos tempos de terror.

Ah mãe terra que a todos alimenta e come...
Mostra o pôr do sol que enternece,
Imprime o amor entre os viventes,
Sobeja a igualdade e a solidariedade
No silencio das não-palavras.

Que importam
A força e a beleza da juventude,
A glória e a liberdade de teus hospedes,
Se regurgitas a maldade da qual te alimentam?

Que rompa o silencio a flauta rústica de Pan
E acorde a consciência do sono da intolerância.
Exorcize-se o fantasma do preconceito...
Soerga teu  véu, oh Athena,
Cante o coro das vésperas,
Fujam as serpentes da crueldade!

Não mais podem erguer-se os mortos,
Combatentes da solidão.
"Raiva, delírios, loucuras vãs"
Mas as vozes da injustiça clamam:
Lacrem as entradas da maldade
Do culto da madrugada!
Que vibre a doçura,
A paz, o amor e a justiça!
***

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