Os prismas de Tchello d’Barros: um escritor de imagens
imagem T.d'B.
Tchello d'Barros (Brunópolis SC, 1967) é escritor com 5 obras publicadas e textos em mais de 40 coletâneas e antologias. Artista visual com participação em cerca de 80 exposições, entre individuais e coletivas. Residiu em 12 cidades, percorreu 20 países em constantes pesquisas na área cultural. Circula entre Blumenau, Maceió e Belém do Pará, dedicando-se à produção audiovisual e ministrando oficinas literárias.
A entrevista:
01-
Vou começar
te fazendo uma pergunta que tenho disparado pelas mídias sociais. Uma
provocação mesmo. Nestes tempos de tanto caos, onde foi parar a Poesia? Onde se
deposita com mais força a tua Poesia, Tchello?
T.d’B.: Nesse
caos de tantos tempos penso que a poesia não pára, não foi parar em lugar algum,
pelo contrário, nunca vi a poesia, sobretudo a escrita, infiltrando-se em
tantos espaços diferentes, alternativos, inusitados. Em parte, essa era digital
que estamos vivendo é responsável por isso: nunca foi tão fácil escrever e
publicar, principalmente na Internet (mas escrever com qualidade, poemas
imersos de poesia, já é outro papo...). Acredito que a sociedade contemporânea
está em crise, uma crise de valores e valore$ sem precedentes. Viver nesses
tempos de hiperinformação é diferente: multiplicaram-se os caminhos,
pluralizaram-se os sentidos da vida, expandiram-se as visões de mundo. A poesia
em si, as vivências poéticas, não sei se trazem as respostas, se mudam a vida,
o mundo, o homem, mas permitem um caminhar, um seguir adiante mais sintonizado
com nossas verdades interiores, por mais individuais que sejam. Em meu caso,
por mais que eu viva atulhando a Internet (desde que ela existe) com minha
produção cultural, prefiro pensar que minha poesia sempre estará onde eu estiver,
pois nunca deixarei de publicar meus livros impressos e participar de saraus
onde a palavra poética seja falada, a poesia seja oralizada, preferencialmente,
pela própria boca dos poetas, como os antigos faziam. O melhor lugar de minha
poesia é o lugar do abraço.
02- Como manter a chama e a lâmina da sensibilidade em meio à velocidade da
vida contemporânea?
T.d’B.: Mesmo
que eu soubesse, acho que não contaria, estaria cometendo o despautério de
sugerir como alguém deve proceder, como viver, etc. Mas a reflexão não impede
de compartilhar algumas inquietações: nossa apressada e sobre(a)ssaltada vida
contemporânea - que prefiro chamar de extemporânea, já que a contemporaneidade
é uma bússola com N direções e nenhuma unanimidade – permite pouco ou nenhum espaço
para as experiências que primam pela sensibilidade, pelo sublime, pela
contemplação, sobretudo na arte. Mais que nunca, continuo sentindo que arte é
atitude, tanto por parte de quem produz, quanto por quem consome. Mas creio que
a chama estará acesa enquanto as pessoas continuarem lendo boa literatura,
assinando seu nome nos livros-de-visita das exposições, aplaudindo uma boa peça
teatral, um show e assim por diante. Se a sociedade consumista e o sistema capitalista
(onde estamos inseridos até o pescoço) permitir que a arte se acabe, que os
artistas parem de produzir, então acaba a vida contemporânea, acaba a
civilização.
03- Tu fazes um trânsito muito interessante entre a visualidade e a grafia.
Fala um pouco sobre isso.
T.d’B.: Entre
esses universos da palavra e da imagem, o mais interessante creio que seja o
trânsito mesmo, o transitar entre uma e outra linguagem, já que tudo é sintaxe,
esse ir e vir entre a semiótica da criação e a possível comunicação com quem
tem contato com meus poemas, contos, crônicas, dramaturgias, roteiros,
desenhos, pinturas, gravuras, instalações, intervenções, fotografias e
produções audiovisuais. Considero que a poética de meu trabalho seja uma só,
apesar das diversas facetas e linguagens que servem de meio para as mensagens, de
veículos para as propostas estéticas que se fazem visíveis mediante essas
escolhas. Desnecessário contar aqui que cada uma dessas técnicas e linguagens consumiu
– e continua consumindo - muito tempo em aprendizado, cursos, leituras,
exercícios, formação técnica e conceitual, dedicação mesmo, já que esse papo de
talento nato comigo nunca funcionou direito. As repercussões que obtive em mais
de 300 ações culturais Brasil afora nessas já duas décadas de atuação, são
resultado disso: entrega, disciplina e um amor pelo que se faz que transcende
qualquer explicação racional. Talvez esse trânsito entre a grafia e a
visualidade sejam dois igarapés diferentes, mas com certeza, afluem para o
mesmo rio... sigo remando apenas.
04- Que Poética uma imagem precisa ter para conquistar o teu olhar?
T.d’B.: As
obras que me conquistam têm os mesmos atributos das pessoas que me fascinam,
como verdade e sinceridade. Penso que aí está a autenticidade, a originalidade
de um autor que tem algo a dizer. Interessa-me perceber a intenção do criador,
por detrás da obra, parece-me que aí pode haver a cumplicidade do
autor/expectador e o encontro com o que há de mais genuíno em uma alma
criativa. E se houver um bom casamento entre conceito e técnica, então, melhor
ainda. Pouco me impressionam as vanguardices de ocasião, muitas experimentações
esdrúxulas do bizarro circo em que a arte contemporânea se transformou, os
conceitos vazios de quem usa a arte como terapia ou para inflar o próprio ego
ou o uso da tecnologia apenas pela tara das inovações. Mudam meu estado de espírito
o surrealismo de Hieronymus Bosch, as pinturas geométricas de Wasarely, as
instalações de Cildo Meireles, os desenhos de Moebius, a fotografia de Diane
Arbus, as xilogravuras de Samico e tantos outros artistas populares. Assim como
tentar definir o que é o amor, ainda mais plurais e infinitas são as definições
de arte. Compartilho com os que consideram que arte não tem que ter função, mas
causar uma emoção estética. Conquista-me quem me emociona, simples assim.
05- Como tu lês o olhar do público sobre a tua obra?
T.d’B.: Hum,
talvez coisas íntimas assim a gente nem devesse estar revelando... Mas não me
custa confessar que recebo a opinião do público sempre com muito respeito, no
sentido mais essencial dessa palavra. E, agora nesses tempos de mídias sociais,
com algum carinho também, por conta das interatividades possíveis. Vivo convicto
de que a opinião do expectador/leitor/consumidor sobre uma obra é sempre mais
importante que a opinião do próprio artista, a qual muitas vezes é pura vaidade.
No meu caso são vários os olhares que respeito: existe a percepção do público
mesmo, os comentários positivos ou negativos que me fazem crescer, me desafiam,
fazem expandir minha produção e aprofundar a qualidade das coisas que faço.
Depois, existe o olhar da mídia, de jornalistas culturais que influenciam a
opinião das pessoas que lêem meus textos, que vão às minhas exposições. Por
outro lado, existem os olhares que são a opinião do sistema da arte (opiniões
escritas, sempre), que são as críticas das pessoas do meio artístico que tem
alguma relação com meu trabalho – editores, curadores, críticos de arte,
galeristas, professores universitários, escritores, promotores culturais,
gestores de instituições artísticas e outros formadores de opinião. Nem sempre
concordo com tudo que escrevem, mas os cerca de cinquenta textos críticos a
respeito de minha obra, amealhados nestes vinte anos de atuação, podem ser um
caminho para lançar um pouco mais de luz sobre essa trajetória.
06- Há Arte em todo lugar, não importa qual?
T.d’B.: Esse
pode ser um bom tema para discussão, tanto na esfera acadêmica quanto nos mais
desbragados papos de boteco. Já que não possuo a resposta, permito-me ao menos
tergiversar com uma provavelmente equivocada opinião: a Arte (aquela com A
maiúsculo) está em poucos lugares, em âmbitos realmente seletos e chega para
quem a procura de verdade. O que se percebe como uma proliferação da arte
talvez seja outra coisa, um processo onde a arte vem sendo cada vez mais
apropriada, adequada, adaptada para diversos segmentos como a moda, a
decoração, a publicidade, o design industrial e qualquer área em que os
executivos de marketing possam valer-se da criatividade dos artistas para
embelezar e valorizar os produtos e serviços que estimulam o consumo numa
sociedade que muito raramente entra num museu para ver uma exposição ou em um lançamento
literário para comprar um livro de poesia, só pra exemplificar. Além de tudo,
não é nenhuma novidade que existe também muita picaretagem, alicerçada pela
falta de crítica, de bom-gosto do populacho e de uma burguesia desinformada e
alienada, apesar do poder aquisitivo. Ainda assim, sempre é bom estar atento e prestigiar
a cena cultural local e surpreender-se com os novos talentos que surgem aqui e
ali para renovação do quadro cultural.
07- Fala um pouco sobre as tuas
relações com o Pará, com a Amazônia. De que forma a região Norte impacta teu
fazer artístico?
T.d’B.: Essa relação amazônica/amazônida começou
lá pelos idos de 1999, primeira vez que estive no Pará e me empapucei de açaí,
tacacá, maniçoba, cupuaçu, pirarucu... Mas principalmente me embebedei da
cultura da Amazônia, com sua rica diversidade, seus costumes, história e
estórias, a pluralidade étnica e o jeito de viver. Em 2001 fiz uma viagem de cerca
de uma semana em navio, de Manaus até Belém, pelo rio Amazonas, onde pude
conhecer um pouco mais essa região fascinante e de tantos contrastes
socioeconômicos. Mas foi só em 2010, após viver por alguns anos no Nordeste,
que decidi conhecer melhor a Amazônia e assim foi inevitável escolher a bela
Belém como meu QG no Norte do Brasil. Quanto à produção artística, impossível
não se deixar impregnar pelo contexto, pela realidade circundante, pelo caldo
cultural em que se está imerso, por esse entorno onde nunca se termina de
descobrir as realidades superpostas e a influência geográfica e geopolítica.
Então, além de temas locais que acabam aparecendo num e noutro poema ou esquete
teatral, a realidade que me circunda tem sido também assunto de minha produção
em fotografia documental e no audiovisual. Por vezes, a arte é um pouco isso
mesmo, um reflexo da realidade em que se vive.
08- Que artistas te motivam e inspiram
o teu foco?
T.d’B.: Por mais que a gente tenha a
pretensão de desenvolver uma linguagem própria, um trabalho original com
identidade, uma voz autoral, é meio que impossível não nos contaminarmos
positivamente de alguma influência ou confluência criativa. De minha parte
prefiro fazer de uma forma consciente homenagens declaradas para grandes nomes
que nos precederam e abriram caminhos na história da arte, caso de Andy Warhol,
com sua Pop Art; Henry Cartier-Bresson, com sua Fotografia-de-Rua; Joan Brossa,
com sua Poesia Visual; Leandro Gomes de Barros, com seus cordéis inaugurais;
John Cage e sua música minimalista; a literatura inventiva de Ezra Pound, James
Joyce e dos concretistas brasileiros; o cinema da Nouvelle Vague, o Lume e seu
teatro experimental, e assim a lista vai longe. Essa opção pela
multirreferencialidade talvez seja um pouco uma característica desse nosso
tempo, onde as fontes são multiplicadas e o próprio tempo se dilui nos eternos
embates entre memória X história. Agora, no momento, quase não tenho nenhuma
preocupação com influências de linguagem ou estilo. Meu interesse na história
da arte tem sido muito mais na atitude que grandes artistas tiveram diante da
vida, diante de tudo, e como influenciaram os processos de evolução da própria
arte.
09- Que presente queres dar para a
alma de quem recebe o teu trabalho?
T.d’B.: Sou um cidadão que consome/aprecia a
arte numa dimensão muito maior que a minha limitada produção. Como exemplo: já
li uns dois mil livros, mas publiquei apenas meia dúzia, apesar de ter textos
em cerca de cinquenta antologias e coletâneas. Isso quer dizer que quando a
gente lê, ouve ou vê um conteúdo artístico de alta voltagem, uma experiência cultural
que faça vibrar nossa alma, é quando a gente se sente parte da criação de
alguém, é quando existe a cumplicidade, é quando a obra passa a ser uma ponte que
conecta dois mundos. Por conta disso, acredito num conceito que chamo de
partilha, ou compartilhamento, ou seja, não basta termos um êxtase criativo,
uma epifania pessoal, é possível – e até necessário - dividirmos isso com o
próximo. E esse doar é exatamente a produção de uma obra, seja em que linguagem
for e a consequente apresentação desse trabalho aos nossos semelhantes. É por
isso que os escritores publicam seus livros, que artistas visuais expõem, que
músicos gravam, etc, para compartilhar, para permitir que outros sintam também
suas estesias e as emoções que somente a fruição de uma obra de arte permite. Uma
obra de arte não precisa ser outra coisa senão um elo entre duas almas com
afinidades estéticas.
10- Que imagem traduz com mais Poesia
Tchello d’Barros?
T.d’B.: Honestamente, penso que o ideal seria que essa questão
fosse respondida pelas pessoas que tiveram ou têm algum contato ou conhecimento
sobre os trabalhos que tenho produzido e apresentado nesses últimos vinte anos
em dezenas de publicações e cerca de uma centena de exposições, entre
individuais e coletivas. Sem querer pecar pelo excesso de modéstia, penso mesmo
que é a opinião das pessoas que mais conta, o quanto tais trabalhos tem impactado
ou sensibilizado o público. Essa é a verdadeira bússola que pode nos dizer se
uma imagem ou um texto de nossa autoria acrescentou algo na vida de alguém. Pessoalmente,
por mais utópico ou quixotesco que possa parecer, vejo-me como um soldado, que
apenas segue em frente apesar das condições do campo de batalha. Essa analogia
metafórica é um pouco a condição de cada artista em nosso país, onde o mercado
da arte, as políticas públicas da cultura, os meios de comunicação, os interesses
acadêmicos e todos os componentes que formam o sistema da cultura são ora um
campo desértico, ora um campo minado, onde é necessária muita determinação para
seguir em frente e encontrar aqui e ali algum oásis, alguma aurora redentora. E
nesse fogo cruzado, não importam as intempéries, é preciso seguir em frente...
Carlos Correia Santos (PA) - poeta, dramaturgo, romancista e músico
entrevista por e-mail Tchello d'Barros para a revista impressa Magia e Versos, de Gisele Sant’Ana Lemos (RJ) e site Blogtok, de Portugal. Fev.2013
entrevista por e-mail Tchello d'Barros para a revista impressa Magia e Versos, de Gisele Sant’Ana Lemos (RJ) e site Blogtok, de Portugal. Fev.2013
4 Comentários
Tchello Barros e Giselle Sant'Ana, são duas pessoas que cruzo, normalmente, por aí, no virtual e em eventos, ele em Bento Gonçalves, nos congressos de poesias, ela em Búzios. Ele é um poeta visual dos mais admiráveis de nosso tempo e ela uma ativista cultural das boas. Agradeço a oportunidade de divulgar tão bela entrevista e confesso a vocês que estou encantada de ser lembrada por tão importantes pessoas. Um abraço e sucesso!
ResponderExcluirTchelo, grande poeta e artista...um dos melhores em artes visuais que conheço. Uma pessoa que, com toda bagagem cultural e toda classe sabe tratar a nós, admiradores e principiantes, como igual e com carinho. Abraço e respeito a tua obra, moço. Sucesso sempre.
ResponderExcluirGostei muito da entrevista, muito bom poder conhecer mais do seu trabalho. Parabéns!!
ResponderExcluirBjs!
RMon
Tchello Barros, tem poesia tatuada na alma. Além de generoso, tem um trabalho primoroso. Seu nome pontua a poesia visual contemporânea pela qualidade e acuidade. Está de parabéns Carlos Correia Santos, pela escolha e Tchello, grande artista e realizador. Bjuss Marcia Mendes
ResponderExcluirPOEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!