Aqui em Porto Alegre, pois é.
É
tarde de sexta-feira e as lembranças chegaram, num marasmo de mais um dia em
casa, aliás, desde março só me permito as saídas muito breves à farmácia e a supermercados,
reforçada com álcool gel em punho, máscara cobrindo o rosto com todos os
cuidados no distanciamento de mais de um metro e depois, a torturante lavação das compras.
A
pandemia ainda é um bicho-papão, mata todos os dias desde março, em menor e
maior escala, em países desenvolvidos ou não, em todas as classes sociais,
religiões, faixa etária, brancos ou negros. Não tem preconceito.
E
não consigo me calar, queria agarrar um pelo braço e dizer: Vai pra casa!
Os
inconsequentes estão por aí mesmo, sem acreditar andam fazendo aglomerações, promovendo
festas, saem às ruas sem máscaras, sem respeitar o outro, sem o distanciamento tão
necessário para evitar o contágio desta doença terrível: o Coronavírus. Até que
alguém próximo a eles apresente a doença, não é verdade? Gente, enquanto não
houver vacinas não tem como se aventurar! Também gosto de sentir a brisa no
rosto, o sol tocando a pele, o abraço entre amigos e a cervejinha gelada no
Boteco da hora. Mas ainda não é chegado o momento.
Mas
voltando a minha tarde em casa, acomodada à frente do computador, que brilha e
me chama e que me fez lembrar do meu tombo homérico.
Aqui
breve pausa, não posso deixar de dar vivas a esta maquininha, que mudou drasticamente
minha vida, de forma totalmente aleatória, quando compramos o primeiro computador
para a família.
Tornei-me
uma admiradora voraz das delícias do virtual, pois pude me aproximar de pessoas,
de tantos lugares, até fora do Brasil, muitas se tornaram reais em meu dia a
dia. Alguns me despertaram o gosto por escrever, transformaram meu olhar, tanto
para dentro como para fora. Brotou assim, a poesia em minha vida. Estas pessoas
são verdadeiras, que compartilham comigo essa arte, que nasceu em mim nesta
época, há mais de vinte anos.
Bem,
estava então vamos lá, estava a navegar pelas redes sociais e aplicativos, Facebook
claro, uma atenção diária e especial, nos aplicativos WhatsApp para responder aos
amigos suas mensagens, não é preciso mais telefone fixo, você já pensou nisso? E
no Youtube para viajar nas músicas de ontem e de hoje, prestigiar amigos em
seus canais e ver novidades em todas as áreas. Pois nesta hora de ouvir músicas,
de repente, vejo um rosto e uma música que me encantaram quando era jovenzinha.
Saca aquela época de reunião dançante? Era o grande barato da minha
adolescência.
Qual
música e qual rosto?
Não
conto nem sob tortura.
Este
som e o belo rosto me fizeram viajar no tempo, olho lá fora o dia claro pelas
janelas, mas na verdade estava viajando por dentro. Aos tempos de 'adolescer’, desabrochar,
crescer! Não havia preocupação com o corpo e com o rosto, a natureza abençoava
com frescor e beleza o fato de ser jovem.
O
romantismo estava no ar naquelas minhas lembranças, regadas por músicas dos
anos 70, 80 e por aí, e que estão agora, aqui na minha sala, ao fundo.
Uma
sensação acalorada toma conta de meu ser, fico toda arrepiada a reviver tudo o
que vivi, tantos momentos maravilhosos.
O
coração aperta, a boca saliva, uma euforia que não sei de onde vem e o corpo
sai a dançar, como se tivesse com o rostinho colado naquele "boyzinho"
da hora, o mais cobiçado da festa.
Delicioso!
Me fazem rir sozinha, de lembrar dos risos das amigas até a barriga doer,
treinar passinhos de dança - éramos as mais requisitadas das festas – ir a
reuniões dançantes e correr para toalete para retocar batons e maquiagens,
olhar os cabelos se estavam bem lisos, espichados com a ‘touca’ de horas e horas
e, claro, falar dos caras que estavam na festa e que nos interessavam.
Mas
os ‘micos’ aconteciam, esse do resvalo na festa foi hilário.
E
no colégio? As “patotinhas” eram grandes, sempre a esconderem-se no banheiro pra
fumar um cigarrinho ou nos cantos a espiar as freiras que com aquelas roupas escuras,
cheiravam a naftalina, e nós loucas para puxar os véus.
Aprontávamos
todas as folias, das mais inocentes possíveis, mas sofríamos penalidades, pais
chamados e as danadinhas se acalmavam por um tempo, mas logo voltavam a fazer
as peraltices.
E
os sonhos com amores impossíveis, pelos ídolos da música?
Inclusive
por este maravilhoso que canta a minha velha música predileta e que me inspira até
hoje e faz ressurgir pensamentos e criar palavras para movimentarem-se entre minhas
histórias e memórias sem parar.
Imagino
que o leitor e a leitora estejam doidos pra saber qual música e quem é este
famoso. Segredo.
Lembrei,
também, que um dia visitando uma amiga de minha Mãe, o seu filho, um cara bem mais
velho me disse:
-
Tu és linda! E me olhava com olhar penetrante.
Ficava
eufórica, sem dormir, a sonhar com aquele rosto e a reviver seu sorriso, virando
de um lado a outro na cama, eram as marcas que ficavam da primeira paixão, hoje penso que era
assédio, hum... afinal ele era muito mais velho e eu uma menininha de 15 anos.
A
música toca insistentemente em meu computador e me leva em ondas às paqueras da
‘Rua da Praia’, em frente à Malcon, era estranho, mas funcionava. Dávamos voltas
e mais voltas entrando e saindo daquela Galeria só para olhar ‘aquele cara’,
com calça boca de sino, magrinho e cabeludo – sim, quanto maior o cabelo mais bonito
-, de olhar convidativo, mas que no final não passava disso.
Ah,
e o amor eterno, aquele que pegasse a minha mão e num ímpeto me cobrisse de
muitos beijos ardentes, para deixar o coração batendo acelerado? Fiquei a rodopiar
na minha sala, ao som da bela música imaginando a cena.
Aí
me lembrava da dúvida, como será que é beijar?
Não
sabia nada das coisas do amor, mas só de pensar num beijo já sentia os pequenos
toques, que me faziam vibrar e traziam sorrisos e luz ao meu rosto.
Isso
tudo surgiu e me deu a noção de estar ali naqueles momentos, vivendo as mesmas sensações.
E nas descobertas, a cada dia o corpo mudava, os seios tornavam-se maiores e surgiam
as curvas, numa pequena mulher, mas que nada era suficiente, faltava algo:
-
porque não nasci com olhos verdes?
–
porque sou tão pequena?
Era
a insatisfação da adolescência de não se aceitar e ficar horas na frente do
espelho a se perguntar porquê.
Doía,
já que eram estes os motivos por não ter o amor “daquele”, alvo de seus sonhos.
E não ter o que se queria, tornava-se impossível, ainda mais quando o “eleito” desfilava
com outra, que parecia tão perfeita, muito diferente do que eu era. Lógico, o
mundo desabava na cabeça, não tinha passes de mágicas possíveis, rezas, promessas,
mesmo recebendo todos aqueles olhares profundos, os rostos colados e ser a ‘tal’
na dança da moda.
Conformava-me.
O jeito era voltar a brincar de casinha, com as bonecas e parar de crescer.
Continuo
a rodopiar ao som da música, aqui na minha sala, a memória viaja e lembro de sonhar
em viver um amor de verdade, com final feliz, porque nos contos de fadas isso era
bem destacado “felizes para sempre”.
Porque
se preocupar tanto com finais felizes, quando o importante é viver a cada dia.
Bem, mas esta constatação é depois de mais de 60 anos vividos, que se fosse
dito a uma menina de 18 anos, dos anos 70, ela daria risada e acharia uma
grande bobagem.
Ai,
ai, nesta época vivia-se os encantamentos do primeiro amor, do primeiro beijo e
do desabrochar em flor nos braços de seu escolhido.
Ah,
e ele chegou com cabelos encaracolados, olhos que sorriam e me fizeram descobrir
o desejo e o amor.
Era
amor?
Pareceu
ser, tantos beijos, tantos amassos escondidos em lugarezinhos mais escondidos
ainda. Dali passado muitos primeiros amores, foi um pulo para viver a ilusão do
vestido branco, a festa e as juras eternas que, no entanto, foram esmaecidos em
dias tediosos, que fecharam as portas atrás de si, para sempre, foi-se aquele que tinha nas mãos
a minha felicidade e a esperança do tal final
feliz escorreu pelo ralo.
Algo se quebra e não tem cola possível de consertar, a vida perde a cor, e vem um desejo louco de tudo dar certo, a vida passa a ser uma busca desenfreada para ser feliz, com uma carga de culpas e sem perdão, que só leva a uma coisa: uma sucessão de erros e tropeços que amontoam desilusões.
Embora
tantas lembranças tocantes e divertidas a realidade bate e te faz ver que o
mundo não é um moranguinho, e está diante de nossos olhos o destino ou nossas
escolhas que nada tem a ver com aqueles sonhos de menina que ficou lá trás.
Fiquei
a ouvir repetidamente a minha música e a olhar aquele rosto lindo, que me encantava,
de olhos verdes, que fez sucesso com suas músicas pelo mundo todo.
Hoje
ele é um senhor, bonito ainda. Chorei, dancei e ri muito, que tarde gostosa
comigo mesma! Levo a vida ainda a acreditar no amor, mesmo que seja só cisma
minha. Entendi e, mal sabia, que ser pequena e ter olhos que lembram uma japonesa,
são o diferencial.
Fico
a rir destes tempos inocentes, que se pensava que o mundo era só isso. Nunca
imaginávamos que vivíamos paralelamente momentos tão duros como os porões da
ditadura, vergonha nacional até hoje.
Na
verdade, uma grande mudança de costumes
estava acontecendo, desde o Festival de Woodstock em 1969, com as loucuras do movimento
“hippie, músicas, drogas, sexo livre, a chegada na minha casa da
televisão e um novo toca-discos onde se ouvia Beatles, The Mamas And Papas, Roberto
Carlos e só se falava em Jovem Guarda. E aquela hora especial de ficar a ouvir
o meu preferido, o meu inspirador desta tarde.
Bem, aí você pergunta, não vai
dizer o nome do cantor, tudo bem. E a queda no aniversário, não vai contar?
Esqueceu?
Não esqueci e nunca vou esquecer,
foi a maior vergonha que passei na vida. Saca 16 ou 17 anos, onde tudo tinha de
ser perfeito?
Quando comecei os namoricos por
essas idades, conheci Carlos (o nome que vou dar a ele), enquanto namorava o
menino mais bonito da praia de Pinhal, o Ricardo (fictício). Eu e minha amiga
Adê, sua irmã e seu Pai, fomos de férias para aquela prainha tão famosa aqui do
Sul (dos anos de 60 a 80) e claro, os pretendentes chegavam, éramos jovens e
bonitinhas, enfim.
Resolvi optar pelo novo menino, terminei
sem dó nem piedade, com Ricardo (maldosinha não?) por ser o Carlos charmoso,
sedutor, mas não durou muito, que chatice, passado o encantamento, para começar as constantes investidas de avançar o sinal, ainda não me achava pronta, resolvi dar um
ponto final ao namoro. Ele não gostou
nenhum um pouco, mas enfim, fiquei sem nenhum.
Passados alguns meses, fomos
convidadas para um aniversário de 15 anos, no Partenon Tênis Clube, não lembro o
nome e nem da menina, falei com a Adê:
- Vamos encontrar o Carlos lá,
ele mora no bairro, estará lá, com certeza.
- Ah, deixa pra lá. Respondeu ela.
Na verdade, fiquei nervosa ao
saber que iria reencontrá-lo, porque nosso término não tinha sido tão bom. Não
deu outra. Ao avistar a figura de longe, no meu nervosismo, me desiquilibrei e
caí embaixo da mesa de aniversário! Onde enfiei a cara? Embaixo da mesa, oras.
Hoje rio muito da situação de vestido comprido, salto e com a cara no chão, literalmente,
não sabia se chorava, se corria, ai Meu Deus, só vi todos os olhos voltados para
a minha situação. Foi castigo?
E agora, está ai a música é “Não, eu não consigo acreditar
no que aconteceu, era um sonho meu. Nada se acabou, não, é impossível não
consigo viver sem você, volte venha ver,
tudo em mim mudou .... Eu já não consigo
mais viver dentro de mim e viver assim é quase morrer... Márcio Greyk.
As lembranças trazem saudades de um tempo que não volta mais, mas ao decrevê-las depuramos um pouco as marcas de dentro. Aromatizei as boas e expulsei as ruins junto com o vento da minha tarde gostosa.
1 Comentários
Prezada Soninha Porto,
ResponderExcluirSeria de Porto Alegre,
Como palavra que integre
Nome por caminho torto
Ou é teu nome ao conforto
De integração à cidade
Como alcunha que invade
A abrangência honrosa
De ter um nome que esposa
Porto eu que tenho saudade?
Bela postagem Soninha! Parabéns! Gosto de versejar para que lembrem da poesia que meus versos não têm. Abraço cordial. Laerte.
POEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!