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Foto de Thiago Piccoli |
Sempre que
lembro a infância me deparo com lugares e histórias quase sobrenaturais.
Encontro sonhos e desejos que nem importam; perderam-se no tempo e, sem motivos
provocam risos incontidos no pensamento. Deram lugar a outros e a outros e a
outros insondáveis caminhos no coração de quem procura a vida com paixão. Fazem
parte de um destino que nos espreita sem perdas, por vezes com alegria ou
tristeza, quase sempre com sabedoria; dolorosa, quase sempre. E foi assim, num
desses dias de pandorga e bolita que percebi que nada é para sempre e sempre é
expressão mais que poética, é infinito; trilho de trem.
Sem pai nem
norte, observava incrédulo o velho chalé amarelo com janelas vermelhas ser
arrancado de suas fundações e, assim, colocado sobre um grande triângulo de
ferro com rodas esquisitas engatado a um antigo caminhão Ford que, com alguma
dificuldade, o retirou do terreno que ocupara durante longos trinta anos. Era
como uma árvore extirpada pelas raízes, ali estavam minhas vivências, planos,
amores, desamores, enfim; natais e mais natais.
Não lembro se
ria ou chorava! Era estranho o sentimento de ver a casa que partia. Com ela
iam-se meus fantasmas, medos, limites e sonhos. Em tempo se ergueria uma nova
casa com tijolos e peças maiores, janelas de guilhotina e persianas brancas de
matéria plástica. O chão surrado de vermelho “xadrez” da cozinha, trocado por
lajotas cor de vinho. Hexagonais e frias, muito frias. No banheiro azulejos cor-de-rosa
como minha mãe sonhara. Não mais cortinas nas janelas nem ligação entre os
quartos, tampouco a farra de encerar o velho assoalho escorregando em panos de
lã. Nem trilhos de linóleo nem tapete de trapos.
Com a casa
foram-se meus amigos invisíveis; os gnomos e seus estalos, as fadas do bom sono
e as bruxas com suas risadas. Universo sonoro e colorido de seres poderosos que,
de certa forma, eram aparentados e parecidos com seu visionário.
Tinha 13 anos
e gastava horas pensando em
branco. Evitava espelhos e secretamente traçava planos
mirabolantes. Queria voar e não tinha asas, queria rir e perdia a graça; tudo
muito, tudo pouco. E ainda assim, a casa amarela de janelas vermelhas se ia pela
rua afora.
Marco Araujo
2 Comentários
Marco sou tua fã de carteirinha amigo! Lindíssimo texto! Intenso, vívido! Bárbaro!
ResponderExcluirMaravilha Marco!
ResponderExcluirIdentifiquei-me muito com seu texto!
Abraços!
POEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!