Marcia Mendes

Novembro, mês da consciência negra - não apenas a figura de Zumbi deve ser lembrada, mas de todos os africanos que, num ato perverso, foram tirados de suas terras, casas e famílias e trazidos em condições sub-humanas para as terras brasileiras. Lembrados também devem ser todos os afro-descendentes, nascidos aqui, cidadãos brasileiros que viviam como escravos. Lembrados, sim, seja como resgate identitário ou como revisão de uma história equivocada e mal contada, baseada no eurocentrismo, sob a visada masculina.
Sabemos hoje que estes pouco mais de quinze milhões de homens e mulheres que foram retirados da África à força, pertencem a várias etnias. Não havia homogeneidade entre estes povos, ao contrário, eram marcados pela diversidade de idiomas, hábitos, costumes, crenças, e religiões.
O cativeiro traz consigo um des-enraizamento radical: pela brutalidade do tráfego, pelas violências que sofriam, pelo sentimento de angústia e impotência diante dos fatos. Condenados à dispersão e à mistura, mercadejados e vendidos como semoventes, sem nenhuma expectativa de retorno.
Situação-limite, de cara com a morte, individual e coletiva, trágica e natural.
Nossos ancestrais viviam um desespero mudo.
À partir dos mitos, do respeito aos mais velhos, da união em famílias - propiciando solidariedade e tolerância, a cultura afro-brasileira foi transmitida de forma oral, até aqui, conferindo aos seus descendentes identidade e pertencimento, elementos básicos para a construção do sujeito.
Ora, se a Cultura é patrimônio simbólico compartilhado e herdado, apropriando-se da cultura, apreender-lhe o máximo e tentar cristalizá-la é garantia de uma sociedade psiquicamente mais saudável. Negar-lhe é perder-se de si.
A sociedade brasileira é permeada pela plural contribuição desses homens e mulheres, que, além de marcarem nossos corpos, enriqueceram sobremaneira nossos hábitos e costumes, desaguando na construção de uma das mais belas e ricas culturas do mundo.
A genética moderna mostra que o antigo conceito racial não faz mais sentido. No Brasil somos todos mesclados. Com isso, o racismo deixa de ter lógica e comporta-se campo do não-saber.
O tempo, o verdadeiro alquimista transformador, passou, e hoje, se temos esse caldo cultural que encanta a todos os povos que aqui aportam, devemos grande parte disso aos nossos ancestrais cujos traços permeiam culinária, música, dança, linguagem, vestuário, crenças, medicina, religiões e festas populares.
Somos todos humanos, a raça é uma só, as diferenças nos enriquecem; e o passado obscuro da escravidão nos envergonha.
Marcia Mendes - psicóloga, escritora e poeta.
2 Comentários
Dói em saber, de ler, de ver o que sofreram nossos negros, muito bom o seu texto amada Marcia Mendes, muito apropriado e muito rico, uma peça literária que dá gosto de ler. Um abraço e bem-vinda!
ResponderExcluirEmbora ainda haja necessidade de desmistificarmos muitas "histórias" da história oficial, parabenizo nossa amada Márcia Mendes que com muita propriedade discorre sobre a data comemorativa (que até no nome revela preconceito: DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA. E consciência tem cor?) CONSCIÊNCIA HUMANA, SIM! Márcia está certíssima! Parabéns mais uma vez, querida!
ResponderExcluirPOEMEM-SE SEMPRE!
SEJAM BEM-VINDOS!