O FUTURO (micro-conto)

Deram-lhes carta branca para fazer o que desejassem, como desjassem, sem limites orçamentais. Junto à costa, os terrenos expropriados eram uma espécie de tábua rasa, estendendo-se até ao horizonte longínquo. "Construam o futro, aqui e agora", pediu-lhes o Presidente, num discurso inflamado, solene, feito par aimpressionar os Presidentes dos países vizinhos. Então, eles chegaram. Os melhores arquitectos. Os melhores engenheiros. Os melhores empreiteiros. Nos projectos que pousavam em cima das elegantes mesas de vidro, estava o futuro. O Futuro, com maiúscula. Uma cidade perfeita, ecologicamente sustentada, exemplar. A cidade-síntese. A cidade ideal. Então, o Presidente morreu, em circunstâncias misteriosas. A primeira decisão do sucessor foi embargar o Futuro, dirigir as verbas para outros fins. Os alicerces do Futuro ficaram expostos ao vento, consumidos pelo salitre. Ainda hoje podem ser vistos, junto à costa, por entre enormes extensões de areia, detritos e urtigas.

José Mário Silva (publicado na Revista Visão nº 879 (www.visao.pt)

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